Enio Lins
Quando uma prisão é sinônimo de liberdade e constitucionalidade
Reinaldo Azevedo foi certeiro em sua coluna no UOL: “A prisão do general Braga Netto representa um grande dia para a democracia brasileira. Democracia não cai do céu; não é uma abstração que se materializa independentemente dos sujeitos. Ou as pessoas tornam seus fundamentos instrumentais para que a coisa funcione, ou os reacionários com e sem farda se encarregarão de empregar os aparelhos de Estado que a garantem com o objetivo de solapá-la, como vinham fazendo. Não passaram e não passarão desta vez. É o primeiro general quatro estrelas a ir em cana? Bem-vindos todos à ágora democrática”.
INIMPUTÁVEIS POR QUÊ?
Militares, inclusive e especialmente oficiais superiores, não podem estar acima da lei. Mas, não só no Brasil, a sociedade passou a temê-los, talvez por considerá-los “treinados para matar” (quem bem quiserem) em tempos de paz. Essa covardia cívica, historicamente, é uma das causas do banditismo de gandola. Além de não serem cobrados por seus erros, os fardados impunes pressionam e partem pra cima dos colegas que cumprem as leis. Na história brasileira, muito antes de Braga Netto, pelo menos dois outros oficiais superiores da mais alta patente, ambos marechais, foram presos. O que aquelas duas detenções significaram? Quais as lições podem ser extraídas da comparação entre os fatos passados e o fato presente?
DIFERENÇAS ESCANDALOSAS
Levy Teles, no Estadão, dia 14, lembra que os marechais Hermes da Fonseca (1855/1923) e Henrique Lott (1894/1984), do alto de suas cinco estrelas, foram detidos. No que diferem as prisões desses dois grandes personagens da prisão de Braga Netto e suas quatro estrelas? Marechal Hermes (presidente da República entre 1910 e 1914) foi preso, em 1922, por ordem pessoal do presidente Epitácio Pessoa. Por quê? Hermes, na condição de presidente do Clube Militar, enviou um telegrama pedindo que as forças militares, enviadas para conter manifestações políticas no Recife, “não reprimissem o povo”. Lott, em 1961, foi em cana por decisão individual do ministro da Guerra, Odílio Denis. Por qual motivo? Lott assinou um manifesto a favor da legalidade e da posse do vice-presidente João Goulart. Ambas as prisões tiveram motivações pueris e não passaram por inquéritos ou quaisquer processos legais, como chama a atenção o historiador Carlos Fico (UFRJ). Braga Netto foi preso por ordem judicial competente, como consequência do inquérito que investiga a participação efetiva do general numa tentativa de golpe de Estado em cujos planos constavam os assassinatos do presidente, do vice-presidente da República e de membros do Superior Tribunal Federal!
GOLPISMO E RETALIAÇÃO
Falamos em consolidação do Estado Democrático de Direito. Sim. Mas estamos falando também da profissionalização, da defesa ética (e física) da imensa maioria não-golpista, legalista, das Forças Armadas. Os golpistas, historicamente, são minorias que se impõem “no grito” e usam de suas impunidades como arma de pressão sobre os colegas de farda. Com a vitória do golpe de 1º de abril de 1964, os golpistas puniram, pelos dados oficiais, 6.591 colegas de farda que se recusam a participar da quartelada, inclusive heróis, como o brigadeiro Moreira Lima, piloto da FAB com 94 missões na II Grande Guerra Mundial. Como lembra reportagem da BBC, “Moreira Lima foi perseguido, preso e torturado pelo governo durante a Ditadura Militar”. Aplicar à lei para militares golpistas é defender a Democracia no geral, e, no específico, é defender a maioria dos membros das Forças Armadas que cumprem suas funções constitucionais e, corajosamente, se opõem ao golpismo.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.