Enio Lins
Quem aposta na cultura das armas, da violência e da morte?
“Fraldas e flores terão mais imposto que arma, lamenta líder do governo” foi a manchete do site Metrópoles (www.metroples.com) em matéria na coluna Paulo Capelli, reproduzindo constatação do senador Randolfe Rodrigues (PT/AP) em relação às alterações aprovadas pelo Senado no Pacote Fiscal. A formulação impacta pelo jogo de palavras, mas é emblemática e maior que as questões tributárias: reflete o peso do fetiche do armamento letal para parte da população brasileira e comprova o comprometimento de parte significativa do parlamento brasileiro para com as pautas do ódio e da morte.
ARMAS MAIS BARATAS
Diz o senador Randolfe: “não incluir as armas no imposto seletivo significa que a atual tributação de armas, que é de 89,25%, vai recair para 25,5%. No Brasil, nós vamos pagar mais impostos por flores do que por armas. Nós vamos pagar imposto mais alto por fraldas do que por armas. Vamos pagar imposto mais alto por brinquedos do que por armas [produtos tributados em aproximadamente 30%]”. Segundo o Metrópoles “A retirada das armas do imposto seletivo foi um movimento da oposição durante a discussão da Reforma Tributária na CCJ, numa ofensiva capitaneada pelo senador Flávio B [...] (PL-RJ). O governo tentou, no plenário do Senado, aprovar um destaque para devolver a categoria de armamento ao ‘imposto do pecado’, sendo derrotado”. Não foi o governo o derrotado, não. A derrota é do povo, vulnerabilizado pela enxurrada de amas letais nas mãos de “homens de bem” que se acham “treinados para matar”. No encaminhamento da votação, a bancada da bala usou um surrado sofisma, eloquentemente pueril: “a gente não defende o nosso patrimônio e a nossa família com fraldas e flores”. E é?
MITO DA ARMA
Ora, ora, por acaso, a arma salvou o guarda municipal Marcelo Arruda? Pai de família, Marcelo foi assassinado quando comemorava seu aniversário de 50 anos. Baleado, reagiu e chegou a ferir seu assassino, mas sua pistola não lhe garantiu a vida, nem evitou que sua família fosse demolida por esse crime cometido em 9 de julho de 2022, em Foz do Iguaçu. E aquele ex-capitão, “treinado para matar”, armado com uma poderosa Glock 380, conseguiu defender seu patrimônio? Não. No dia 4 de julho de 1995, em Vila Isabel, zona norte carioca, o mitológico ex-militar perdeu a arma, a moto XLX 350, a carteira, o relógio e o casacão de couro. E essa mesma mitológica personagem, cercada e protegida por dezenas de homões. armados com pistolas e revólveres de todos os tipos e calibres, conseguiram evitar uma simples faca de cozinha (no dia 6 de setembro de 2018, em Juiz de Fora)? Não. Melhor teria sido jair se defendendo com flores e fraldas; O mito teria assim mais chances de não ser furado. Arma como panaceia para a “defesa da vida, da família e do patrimônio” é mito. Mito é sinônimo de falso, como todo mundo sabe. E mais: a lei já garante a compra, posse e porte de arma – não é necessário incentivar.
PERIGO EVIDENTE
Mitologia antiga, açulada pelo comércio armamentista, a crença de que sem uma arma de fogo “a gente não defende o nosso patrimônio e a nossa família” passou a fazer parte do imaginário de parcela da população. Essa ilusão se transformou numa bandeira ideológica do bolsonarismo e do crime organizado, que lutam danadamente para facilitar o acesso ao armamento letal. Nesse esforço deletério, derrubar os impostos sobre armas (e munição?) é um detalhe. O alvo dessa gente, não tenham dúvida, é restabelecer a licenciosidade da legislação revogada (corretamente) por Lula no dia 1º de janeiro de 2023 (uma semana antes da tentativa de golpe bolsonarista). Para essa turma, resta citar Bezerra da Silva: “Você, com revólver na mão, é um bicho feroz” ...
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.