Enio Lins
Assad assado e, da Síria para o mundo, mais fogo no horizonte
No domingo, 8, foi do Estadão a menos ruim manchete na chamada “grande mídia” brasileira sobre a vitória dos radicais islâmicos na guerra interna que sangra o território sírio desde 2011: “Novo regime na Síria traz incertezas sobre futuro sem Assad e não está livre do autoritarismo”. Os demais veículos midiáticos de porte avantajado repetiram usuais manchetes “lacradoras” contra o líder recém-derrubado, Bashar Assad, sugerindo a falsa descrição de um governo ditatorial sendo substituído por algo “melhor”.
CRIAS DA AL QAEDA
Verdade é que herdeiros da Al-Qaeda venceram a luta contra um grupo islâmico menos radical que dominava a Síria há, pelo menos, meio século. Chama-se Hayat Tahrir al-Sham (HTS) a organização vitoriosa, seu comandante atende pelo nome de Mohammed al-Golani e, até ontem, eram considerados – esse grupo e seus líderes – terroristas pelos Estados Unidos. Mas, como reportado n’O Globo, Joe Biden, ainda titular da Casa Branca, se regozijou: “Até que enfim, o regime de Assad acabou [!]” e garantiu que “os EUA trabalharão com parceiros e interessados para ajudá-los a aproveitar esta oportunidade”. Voltando às manchetes pasteurizadas, todas se esquivaram de dizer, logo nas primeiras linhas, que o “novo” na Síria é o velho espírito fundamentalista inspirado por Osama bin Laden. Convém lembrar ter sido o finado Osama um líder rebelde criado e financiado pelos Estados Unidos, e que, depois, se virou contra seus criadores.
AL QAEDA DE BLAZER
Citando fontes internacionais, o G1 apresenta Mohammed al-Golani (com 42 anos) como nativo da Arábia Saudita (tal qual bin Laden), cujo nome real é Ahmed Hussein al-Shar'a. Segundo a Wikipédia, ele começou sua carreira de terror no Iraque, em 2003, como membro da al-Qaeda. Em 2006, passou para o Estado Islâmico, ano em que foi detido pelos americanos e ficou preso até 2011. Liberado, foi enviado para a Síria com a missão de criar por lá uma sucursal da al-Qaeda/Estado Islâmico, a Frente al-Nusra, para combater o governo de Bashar Assad (opositor dos Estados Unidos e de Israel). Em relato publicado n’O Globo, al-Golani passou a “reformular a marca”, sendo evidente a maquiagem de sua imagem desde a primeira entrevista (para a Al-Jazeera), quando, em 2014, trajado de farda de combate e turbante, declarou ser seu objetivo “ver a Síria governada sob a lei islâmica, deixando claro que não havia espaço para as minorias alauíta, xiita, drusa e cristã do país” – é bom lembrar que, para os extremistas muçulmanos, o maior pecado do regime de Assad era garantir a diversidade religiosa na Síria. Segue o G1: “em 2021, al-Golani deu sua primeira entrevista a um jornalista americano. Vestindo um blazer e com o cabelo curto penteado para trás, o agora mais moderado chefe do HTS afirmou que seu grupo não representava nenhuma ameaça ao Ocidente e que as sanções impostas contra ele eram injustas”. Você apostaria nisso?
MUDANÇAS NO CENÁRIO
No teatro de guerra no Oriente Médio, a Rússia e o Irã perdem uma posição importante. Moscou (que recebeu o deposto Assad) e Teerã deixaram seu velho aliado na mão a partir de outubro deste ano, ao retirarem seus apoios por conta da necessidade de deslocamento desses esforços para suas próprias frentes de combate (Rússia x Ucrânia/Otan, Irã x Israel/EUA). E agora? O menos cínico que pode ser dito sobre a sofrida Síria é “[existem] incertezas sobre futuro sem Assad e [que] não está livre do autoritarismo”. Mas o mais correto é apontar para a iminência do aumento do terror naqueles territórios, e que, cedo ou tarde, isso será exportado para outros pontos do mundo.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.