Enio Lins

Uma carta para António Manoel Pinto Guimarães, o Mestre Tó

Enio Lins 07 de dezembro de 2024
Uma carta para António Manoel Pinto Guimarães, o Mestre Tó
Uma carta para António Manoel Pinto Guimarães, o Mestre Tó - Foto: Reprodução

Marechal Deodoro, 29 de novembro de 2024.

Mestre Tó, meus respeitos. Finalmente tenho a satisfação de lhe escrever para informar o cumprimento da missão a mim confiada. Tardei, mas não faltei. Devo dizer do imenso orgulho que me invadiu, há 16 anos, quando recebi – através de nosso querido Zu, seu filho – a tarefa a mim destinada, antes de sua entrada na UTI. Emocionado por sua convocação para uma conversa, aguardei o momento da alta. Mas não deu. Você se foi sem sair do hospital, no dia 24 de março de 2008. Zu, depois do luto, me procurou e repassou suas orientações, ditadas nos derradeiros fios de vida.

Encontrar um destino apropriado para sua biblioteca era a minha missão. Como não nos conhecíamos pessoalmente, fiquei impactado com o relato do Zu sobre seu acompanhamento a meus escritos, desenhos e posicionamentos. Nunca nos vimos e você me enxergou como o camarada destinado a cuidar do destino de um dos seus tesouros mais queridos: seus livros. Seu desejo era entregar a preciosa coleção para uma biblioteca diferenciada, nem tão grande quanto as das Universidades ou a Biblioteca Pública Estadual, nem tão menor, ou específica, como as de instituições privadas.

Sua esposa, Dona Delly Cabral Guimarães, apesar da tristeza, foi muito simpática e acolhedora, me apresentando a biblioteca. Coisa de uns dois mil volumes. Passei, como diriam os lusitanos, uma vista d’olhos nos livros. Pelas lombadas, fui decifrando o enigma sobre a escolha de meu nome para tal missão: vossa biblioteca, embora muito maior e bem mais organizada, era semelhante a minha! Oxe, meu camarada Tó, pensávamos nós nos mesmos rumos! Você mais amplo, mais eclético e com critérios mais apurados de seleção bibliográfica. Fui tirando um ou outro volume da estante para indispensáveis folheadas, tateando capas e páginas, sentindo as texturas dos papéis, os tipos de encadernação... tudo de excelente qualidade, em forma e em conteúdo. Parabéns! Posteriormente, Wilma Nóbrega, craque em bibliotecas e arquivos, foi escalada para catalogação e higienização do acervo, e fez um serviço primoroso.

Dona Delly, gentilmente, me passou mais informações sobre sua vida. Soube de seu nascimento, em 25 de maio da 1935, em Figueira da Foz, Portugal, e de sua chegada ao Brasil em outubro de 1952, para trabalhar em Maceió numa sociedade com seu tio Fernando Pinto, pai de meus amigos Fernando e Fátima Pinto. Ela me disse também que você e seu tio fundaram a Soteca (fui cliente assíduo) e a Socicrel. Puxa, só agora soube disso. Dona Delly me falou do casamento de vocês, em 20 de dezembro de 1958, e que festejariam bodas de ouro no ano de sua partida. Posteriormente, conheci seus outros dois filhos, Cadu (Carlos Eduardo) e Cabral (José Carlos) – este o timoneiro da esquadra que encontrou um porto seguro para seus livros.

Vou apressar o passo da conversa, encurtando o relato ao essencial, para lhe poupar dos detalhes dos atropelos no cumprimento da tarefa. Saliento apenas – sem me demorar nisso, por motivos óbvios – a dor pela trágica perda do nosso Zu, meu amigo e seu primogênito, nesse meio de caminho. Morte inesperada e causadora de um grande hiato no processo de destinação de sua biblioteca, trilha dificultada por desistências de entidades destinatárias, mudanças de endereço dos depósitos provisórios etc.

Enfim, companheiro António Guimarães, Mestre Tó, missão cumprida. Perdoe-me a demora, desculpe minha desesperança nalguns momentos. Mas sua preciosa coleção está resguardada, e disponível ao público, na Biblioteca Municipal de Marechal Deodoro, acolhida pelo prefeito Cacau, e pelo futuro prefeito Bocão, desde a derradeira sexta-feira do mês de novembro deste ano de 2024.

Muito obrigado pela confiança. Serei um dos frequentadores de seus livros no novo endereço. E, para sempre, seu admirador.