Enio Lins

Perdoar crimes em cometimento continuado é crime

Enio Lins 03 de dezembro de 2024

“Eu apelo aos ministros do STF, por favor, vamos partir para uma anistia”, assim choramingou Jair, o falso messias, há três dias, em entrevista ao vivo e nas cores esverdeadas e amareladas. Ali, dito mito ousou jair construindo um paralelo com a anistia de 1979, mas se esqueceu de citar como se chegou àquele processo. O notório capitão de milícias quer o bônus antes do ônus. Mas seu mimimi seboso merece resposta com lembranças indispensáveis à sobrevivência democrática.

ANISTIAR PARA QUE?

Há 45 anos, anistiou-se vítimas de uma ditadura militar. Foram alcançadas naquele gesto pessoas perseguidas, presas ou exiladas, pelo delito de terem resistido (de todas as formas possíveis, inclusive armada) aos governos ilegítimos impostos ao país desde o 1º de abril de 1964. Em 1979 não mais existiam possibilidades dessa resistência oposicionista acontecer pelo confronto manu militari. Muitos, como Rubens Paiva, foram anistiados depois de torturados e assassinados. Mas os militares, algozes ainda no poder, se anistiaram em paralelo a milhares de suas vítimas, muitas das quais ainda encarceradas, além dos 434 mortos e desaparecidos. Em seu formato “autoanistia”, militares e civis golpistas livraram-se de quaisquer punições futuras, beneficiando especialmente 377 bandidos oficialmente identificados como torturadores, assassinos, ladrões e cometedores de todo tipo de crime contra a humanidade. Muitos daqueles meliantes – sob a gandola da impunidade – seguiram praticando seus ideais autoritários. Este é o desejo de Jair e sua quadrilha: uma anistia que lhes garanta a impunidade necessária para a continuidade no cometimento dos mesmos crimes.

CRIME CONTINUADO

Anistiados graciosamente em 1979, sem terem pagado nada por nenhum de seus muitos crimes, agentes dos porões da ditadura seguiram tocando o terror. Impunes, mataram Dona Lyda Monteiro, secretária da direção nacional da OAB, assassinada por uma carta-bomba explodida em 27 de agosto de 1980. Esses bandidos de extrema-direita protagonizaram o célebre atentado no Riocentro, na noite de 30 de abril de 1981, quando, dois dos terroristas militares envolvidos na operação explodiram-se por acidente, matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, ambos militares do famigerado DOI-CODI do I Exército. Esses dois, o morto e o ferido, foram isentos de quaisquer punições. Em 1987, Jair, um jovem oficial paraquedista foi condenado por planejar atentados à bomba contra a Adutora do Guandu (Rio de Janeiro) e, descondenado pelo STM, virou mito, anos depois ganhou a presidência da República e tentou um golpe de Estado cujo epicentro se deu no dia 8 de janeiro de 2023.

RISCO TREMENDO

Anistia pode ser um bem, mas é necessário se olhar a quem. Anistiar praticantes de crimes continuados é um tremendo mal, fatal. Relembrando outras anistias, o presidente Juscelino Kubitschek anistiou os bandidos fardados que tentaram contra ele duas quarteladas, Jacareacanga e Aragarças, em 1956 e 1959. O “presidente bossa nova” passou a borracha e possibilitou aos subversivos seguirem suas carreiras como se não tivessem cometido nenhum crime. Em 1964, esses anistiados estavam na linha de frente do 1º de abril, intentona que desta vez deu certo e riscou a Democracia do mapa do Brasil por 21 anos. Uma das primeiras medidas dos assaltantes do poder foi cassar os direitos políticos de JK, que findou morrendo num acidente suspeito, em 1976, sem recuperar sua cidadania. Apois, toda atenção às lições da história: anistiar golpistas contumazes é autorizar novos golpes.