Enio Lins

Cenas de bandidos do cinema que deveriam ser banidas da vida real

Enio Lins 12 de novembro de 2024

Hollywood, há muitas décadas, usa e abusa de cenas de execuções entre criminosos, mormente mafiosos. Em São Paulo, na sexta-feira, 8, a execução de um importante delator do crime organizado, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, prova que a ficção das telas perde feio para a cenas de cinema da vida real.

CENAS IMPACTANTES

No aclamado “O Poderoso Chefão 1”, o duplo assassinato do chefe mafioso Sollozo e do chefe de polícia McCluskey, cometido por Michael Corleone, é um momento eletrizante cujo pano de fundo são as relações de cumplicidade e disputas entre mafiosos e policiais corruptos. A cena ficcional, filmada em 1972, foi inspirada realidade ianque, ambientada em meados de 1946. No Brasil, “Tropa de Elite 2”, de 2010, tem como foco a intensa infiltração contemporânea do crime organizado nas estruturas policiais (com tentáculos na política) e uma de suas cenas mais fortes é o assassinato, pelas costas, do Capitão Mathias pelo Major Rocha, numa representação fiel da traição feita pela banda podre da polícia contra seus companheiros e contra os compromissos da corporação na proteção da sociedade.

TRAGÉDIA EM CURSO

No Brasil atual, o “major Rocha” segue atirando nas costas do “capitão Mathias”, inclusive quando elimina criminosos que poderiam denunciar os próprios cúmplices – é o caso do delator trucidado no Aeroporto de Guarulhos. Antônio Gritzbach, o assassinado, era investigado, segundo as reportagens, por envolvimento com o PCC em lavagem de dinheiro e assassinato de rivais. Gritzbach firmou um acordo com o MP para delatar sua facção criminosa e policiais corruptos, e deveria estar sob proteção policial. Mas não vai mais ajudar à Justiça. Sua morte foi detalhadamente planejada e executada com precisão matemática como nos filmes de Hollywood, desnudando a parceria entre quem deveria proteger e quem queria eliminar o delator.

FUSÃO FATAL

Essa concupiscência entre o crime e quem deveria combater o crime se expressa de forma descarada nas tais milícias. O surgimento dessa modalidade acontece, não por acaso, no período discricionário do Regime Militar de 64. A gênese desse tipo de quadrilha policial se faz notar em 1965, com os “12 Homens de Ouro” da polícia do Rio de Janeiro, cujas ações violentas ganhavam ampla divulgação. Eram “homens de bem” que eliminavam “vagabundos”. Também conhecida pela “grife” Scuderie Le Cocq, esse formato de gangue policial se reproduziu, em vários estados, como “Esquadrão da Morte”, e prestavam serviços a organizações criminosas eliminando rivais de outros grupos. Nos dias em curso, são “milicianos”. Um de seus de seus membros mais notórios, o “capitão Adriano” (1977/2020), então condenado e preso, em 2005, foi homenageado pela Assembleia Legislativa carioca com sua principal medalha, e com discurso de louvor na Câmara Federal (por um deputado que depois virou presidente da República entre 2019 e 2022).

Fuzilado em pleno Aeroporto de Guarulhos, o delator Gritzbach retornava de Maceió, onde teria vindo cobrar “uma dívida”, e carregava uma mala recheada de joias. Levou para a cova suas denúncias contra policiais corruptos com os quais tinha negócios. Daqui a pouco, não mais se falará nisso, e os “homens de bem” seguirão glorificando os “matadores de vagabundos”. E, como sempre, as balas perdidas encontram alvos inocentes, cujas mortes são ignoradas. No caso em tela, um pai de família, Celso Araújo Sampaio de Novais, de 41 anos, motorista de aplicativo, foi assassinado sem ter nada a ver com a guerra entre bandidos e policiais corruptos. Mas os “homens de bem” chamam isso de “efeito colateral”.