Enio Lins

Marta Arruda, sua arte metálica, e a grandeza da Caixa

Enio Lins 19 de outubro de 2024

Logo na primeira linha, invisto um voto de louvor à Caixa Econômica Federal pela iniciativa de promover a exposição “Marta Arruda: 40 anos de esculturas”, na Caixa Cultural, no Rio de Janeiro. Em cartaz desde 1º de outubro, até 1º de dezembro. Como uma mão dá e a outra pede, a pedida é: “Caixa, traga essa exposição para Alagoas!”

ARTE EM AÇO

Marta Arruda de Almeida Pereira nasceu em Maceió e formou-se como Soldadora Industrial no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Fez história como a primeira mulher a exercer essa profissão em empreitadas de grande porte, sendo durante muitos anos a única figura feminina entre milhares de peões-de-trecho, obrigando às construtoras a montar um alojamento individual, só para ela, no meio das imensidões onde eram estendidos, por grandes extensões, gasodutos e oleodutos, nos quais a solda precisa é questão de vida ou morte. Nos intervalos das extenuantes jornadas, a operária gastava o tempo de lazer soldando sobras, montando coisas à toa. Quem via ia se impressionando com a criatividade, e os supervisores liberando cada vez mais retalhos de ferro para a moça fazer seus parangolés. Daí a artesã dos tempos de folga virou artista em tempo integral.

NOVA VIDA

Como o título da retrospectiva indica, em 1984, a soldadora Marta Pereira virou a artista plástica Marta Arruda. Com quatro filhos para criar, se lançou em nova carreira, certamente mais prazerosa em termos de realização autoral, mas tão dura quanto às oito horas de batente dentro de imensos tubos a emendar. Era trabalho exaustivo, difícil. Mas a operária não encontrou sombra e água fresca quando virou artista – segue proletária, agora de si mesmo. Passou a ser sua própria patroa, extraindo um tipo particular de mais-valia do seu suor, incorporando valor aos pedaços de aço que molda e solda. Esse processo de criação poderá ser conhecido, na programação carioca, no dia 8 de novembro, durante a Oficina de Modelagem Lúdica e Sensorial. Aula imperdível, para quem esteja na área.

ESTILO E MAIS

Até agora, Marta usa o geometrismo, em composições de painéis e totens onde mais linhas retas que curvas vão intercalando metal com espaços vazios. Mas, como toda arte sempre é dinâmica, é bom ficar de olho em mudanças. Me atrevo a dizer ser uma das características marcantes dela o consumo popular de seus produtos. As obras assinadas por Marta Arruda estão presentes em segmentos sociais tradicionalmente pouco afeitos ao mercado da arte, e – citando um exemplo – sempre me chamou a atenção o destaque de dois janelões de aço feitos por ela para a “Panificação, Lanchonete e Conveniência Nossa Senhora da Piedade”, estabelecimento situado na esquina da Praça do Pirulito com a Siqueira Campos, em Maceió. E mais, a obra de Marta Arruda não se limita ao que suas mãos moldam e soldam, mas se estende ao coletivo e às ações sociais, como – citando outro exemplo – os grupos por ela montados em Marechal Deodoro para a produção de obras em mosaico, equipes essas voltadas para educar e abrigar crianças em situação de fragilidade. O talento dela nesse antiguíssimo fazer artístico pode ser visto em exposição permanente na fachada principal do Hospital Metropolitano de Maceió, onde Marta foi a responsável (comandando uma pequena equipe) por reproduzir, e imortalizar, como painel gigante, um quadro de Lucas Lamenha.

Vivas para Marta Arruda! E à Caixa, além do aplauso, um apelo: seja menos Econômica e mais Federal – faça transitar esta exposição pelo Brasil, e inclua Alagoas como pouso de destaque nesse roteiro.