Petrucia Camelo

GUIRLANDAS DE PRIMAVERA

Petrucia Camelo 09 de setembro de 2024

A primavera se avizinha! É hora de receber as flores, que brotam em hastes formando buquês flóreos com pétalas abertas aos céus. Embora seja dotada das mesmas características dos primórdios, mostrando a universalidade de seus dons, apresenta efeitos estáveis que não são recebidos como uma simples repetição, pois, a cada primavera, as pessoas, o mundo e a vida vivem momentos de evolução.

Entretanto, nessa relação de mudanças, a primavera, fortalecida pelas experiências anteriores e por sua natureza, não se deixa dominar, fazendo-nos crer nas palavras de Massaud Moisés: A grandeza do ser eleito se mede na vitória sobre os obstáculos... instintivo, genuíno, puro, ignorante das forças que possui...

A primavera faz despertar imensuráveis formas de vida, que eclodem da terra, e, em especial, é o meio, é o milagre de fazer as flores se manifestarem como símbolo do amor, do amor sublime, do amor de Deus.

A presença das flores tem o seu valor simbólico, do profano ao sagrado; e apesar de variáveis, as flores vestem-se de cores, florindo o chão, os caramanchões, os jardins, a se espalhar formando arbustos e árvores, em meio às nuances do verde, promovendo a alegria floral em forma de nichos.

Mediante uma classificação sobre as coisas que enobrecem o espírito, certamente ter-se-iam as flores, como forma de atenuar os reveses da vida. Porém, não é somente preciso a atmosfera amena da estação primaveril, a força e a beleza que ela exprime sempre acompanhada do doce perfume das flores.

Mas, sobretudo, é preciso que elas despertam no espectador a sensibilidade de senti-las, fazendo, por segundos, despojar-se do que o torna grotesco, para que o olhar possa beber do encantamento, ao descerrar o véu que cobre o momento singular do encontro, que se completa “como uma porta para o invisível”.

A respeito do amor, que evoca a estação flórea, tão bem representada pela flor, deve-se revalidar, no sentido comparativo, o exemplo da sentença do grande doutor da Igreja, Santo Agostinho, quando ele faz alusão à dor e ao amor. Diz ele: Onde há amor, não há dor, e havendo dor, até a dor se ama.

Talvez, Santo Agostinho, ao compor essa assertiva, ele estivesse em meditação, recluso à cela, ou mesmo no jardim a colher rosa em plena primavera, e, no olhar, rosa e espinhos, levou-o a inspirar-se e a compor semelhante pérola. Esse estado de contemplação somente poderá ser entendido por aqueles que amam e que passam por situações de cruz, como se da rosa o espinho os picou.

As flores realçam a primavera com um rosto simbólico de mistério; sem mudar o perfil, no silencio desabrocham, não erram o caminho, não há exageros, nem faltam ao compromisso com a natureza herdada, salvo se houver interferência da mão intempestiva do ser humano, tentando modificar-lhes as características dos originais. Analisar um rosto sem amá-lo, destruí-lo, é assassiná-lo. O rosto é um símbolo do que há de divino, apagado ou manifesto perdido ou reencontrado” (Jean Chevalier).

As flores mostram o rosto primaveril e seguem incólumes, resignadas com a sorte que lhes couber. Todas estão aptas para ações manifestas de beleza decorativa, quer seja em quintais dos casebres, ou em jardins reais, quer seja em altares, ou funerais, ou ainda em lindos buquês em jarros, ou em mãos de noivas. Assim, as flores cumprem os seus papéis.

A primavera, como toda a formação da natureza, constrói uma cadeia de inter-relacionamentos, revela um celeiro de liberação de criaturas que irradiam encantamentos: pássaros, borboletas e outras mais se apresentam e vivem os momentos que lhes são ofertados, sem parecer duvidar da força da sugestão primaveril.

Porém, as flores, espontâneas ou cultivadas, eclodem de suas cepas, sem se importarem com o cenário e o guarda-roupa e não se fazem de rogadas: sobem ao palco das apresentações, num bailado ao vento, à chuva, sem lhes faltar o apoio das noites serenadas, do orvalho das madrugadas e as evoluções da iluminação do sol da manhã de primavera que a elas reverencia.