Enio Lins

A desnutrição é um velho instrumento de dominação

Enio Lins 26 de julho de 2024

Anunciada na quarta-feira, 24 de agosto, a Aliança Global foi aprovada por unanimidade durante a reunião do G20 no Rio de Janeiro. Evento com a presença de representantes dos países que são as 20 maiores economias do mundo, teve a participação extra da União Europeia e da União Africana. O Brasil (autor da proposta) e Bangladesh foram os dois primeiros a aderir. Segundo divulgado, “a Aliança está aberta a governos, organizações internacionais, instituições de conhecimento, fundos e bancos de desenvolvimento, e instituições filantrópicas”. Merece aplausos e apoios entusiásticos. Mas – reconheçamos – não será fácil a vida da nova entidade.

A FOME É UM NEGÓCIO

Desde a antiguidade, a fome rende gordos lucros para quem tenha estômago de nela investir. A inópia tem sido elemento essencial na ampliação do poder político das castas dominantes em comunidades antiquíssimas na África e na Ásia. Nas antigas civilizações, durante muitos séculos, o cerco às cidades e/ou fortalezas era a forma mais eficiente de subjugação, pois sem ter o que comer e beber, a rendição era inevitável. E, entre nós, no Nordeste brasileiro, a privação de água e comida durante as secas foi um dos fatos responsáveis pela ampliação voraz do latifúndio, através da fragilização das famílias proprietárias de pequenas glebas, forçadas a migrar deixando tudo para trás – eram os “retirantes”, retratados em obras clássicas como “O Quinze” de Rachel de Queiróz e “Vidas Secas” de Graciliano Ramos. As populações nativas do atual território dos Estados Unidos foram vítimas de um genocídio em que a fome jogou papel essencial para a expropriação de suas áreas ancestrais, especialmente no Velho Oeste. A dizimação dos bisões, principal fonte de sobrevivência para os índios norte-americanos, foi uma ação tão cruel quanto planejada (que teve seu auge em 1890), e que matou muito mais peles-vermelhas que os combates travados contra os caras-pálidas. Na Amazônia de hoje, agora mesmo, a fome escraviza e mata tribos inteiras, vide o caso Yanomami.

A INANIÇÃO INSTITUCIONAL

Assim como nos cercos às cidadelas na Idade Média, a privação de alimentos (também chamada de inânia) é largamente usada na contemporaneidade para imobilizar ou matar instituições consideradas incômodas. Vejamos o recente caso da UNRWA, entidade da ONU destinada à assistência humanitária aos refugiados palestinos: para impedir a continuidade das ações de solidariedade praticadas pela instituição na Faixa de Gaza, atendendo às pressões do governo israelense, dez dos até então principais países financiadores – Alemanha, Estados Unidos, Austrália, Japão, Itália, Holanda, Canadá, Finlândia, Suíça e Reino Unido – suspenderam suas doações regulares à Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para Refugiados da Palestina exatamente durante o atual genocídio praticado por Israel. A justificativa, pueril e nunca provada, foi de que alguns funcionários da instituição seriam simpatizantes do Hamas (e, se caso fossem, em que isso atrapalharia a missão de socorro humanitário na região??). O fato, objetivo e implacável, é que as entidades também morrem de fome, imobilizadas pela ausência de recursos.

Por todas essas experiências históricas, a recém-criada Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, cuja certidão de nascimento é carioca, oxalá sobreviva, mas a bichinha é forte candidata à desnutrição severa, pois – no mundo todo - a inanição de muitos segue sendo instrumento de riqueza e poder para poucos e poderosos.