Enio Lins

Quando o tapete quer substituir a urna

Enio Lins 27 de maio de 2024

“Ganhar no tapetão” é expressão pejorativa presente no vocabulário brasileiro há muito tempo. O termo se refere a uma decisão da justiça comum, em 1969, beneficiando o Fluminense e o ajudando a ganhar o título carioca naquele ano. Comenta-se também que o clube, depois da sexta vitória no “tapetão” teve de apelar mais uma vez à justiça para proibir o apelido de “Tapetense”, cravado pelos adversários. Essa expressão migrou do futebol para a política, traduzida como uma inversão do resultado das urnas.

SEM VOTO, COM VEREDICTO

Em Alagoas, estão em andamento dois processos que procuram reverter os resultados das urnas, transformando derrotados em vitoriosos nas eleições de 2022. Em essência, o crime seria trabalhar mais, investir em áreas estratégicas, tentar reduzir índices historicamente problemáticos. Esse tipo de delito é o apontado nos pedidos de cassação dos mandatos de Paulo Dantas, Ronaldo Lessa, Renan Filho e Rafael Brito, buscando transformar em pó 834.278 votos para Dantas e Lessa, 845.988 votos de Renan e 58.134 votos de Brito.

O CRIME DE EDUCAR

Um dos processos mira no Bolsa Escola 10. Programa muito elogiado fora de Alagoas, usado como base pelo Ministério da Educação, em 2023, para a construção de projeto semelhante com abrangência nacional. E como andaria o quadro educacional naqueles dias? O IBGE, em avaliação sobre o analfabetismo, destacou que “entre os censos de 2010 e 2022, Alagoas foi a unidade da federação que mais aumentou o percentual de pessoas de 15 anos ou mais alfabetizadas, com uma expansão de 6,7 p.p., resultado que, no entanto, não foi suficiente para retirá-la da última posição”. Gente, o “Bolsa Escola 10” é uma das causas desse efeito extremamente positivo! Era pra cortar??

O CRIME DE ALIMENTAR

Outro processo detona a distribuição de cestas básicas para as áreas de carência alimentar, e a acusação é de que “não havia uma situação emergencial ou de calamidade pública que demandasse a criação e instalação de um programa assistencial a poucos meses das eleições”. Será? A Folha/UOL, em 14 de setembro de 2022, publicou: “Alagoas é o Estado em que há maior proporção de pessoas passando fome no Brasil”, e reforçou: “No estado de origem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que indicou mais de R$ 300 milhões em emendas parlamentares do chamado orçamento secreto, nos últimos dois anos, 36,7% das pessoas não têm acesso a alimentos em quantidade suficiente. A proporção de alagoanos famintos é duas vezes a média nacional (15,5%)”. E digo mais: a situação emergencial existia, e decretada desde a pandemia, apenas foi ampliada (e não criada de novo). Comenta-se até que o proponente da suspensão da entrega das cestas básicas teria entrado com um pedido de suspensão do próprio pedido – mas isso é coisa a ser comprovada nos autos, pode ser boato.

CONTRASSENSO

É patético interpretar a Lei Eleitoral criminalizando as administrações que mantenham ou ampliem seus investimentos em áreas estratégicas no ano de voto. Por esse ângulo de visão, como enxergar os investimentos crescentes de JHC neste 2024? Terá o prefeito de Maceió que interromper o recapeamento asfáltico urbano? Paralisar ou reduzir o ritmo das obras de saneamento do Salgadinho? E fechar os cofres municipais para a educação? Eita: por falar nisso, Maceió está em último lugar entre os municípios com mais de 500 mil habitantes, com 8,4% de analfabetismo, segundo o relatório do IBGE...