Petrucia Camelo

MULHER E MATERNIDADE

Petrucia Camelo 09 de maio de 2024

Para escrever sobre a maternidade, o autor precisa ter sensibilidade, revestir-se de respeito, compreensão e ter conhecimento da historicidade da mulher como um ser perene na sociedade enquanto inserida num complexo harmonizado pela criação humana responsável no mundo pelo desempenho de um papel importante na sobrevivência da espécie: o da maternidade, que a destinou a gerar, dar à luz, amamentar e ensinar a viver o novo ser que de suas entranhas se originou. Escrever sobre a mulher-mãe, vendo-a como figura, imagem participante do todo é, sim, falar sobre a história do corpo e da alma, da natureza feminina.

E em absortos pensamentos sobre o tema mulher-mãe, pode-se alinhavar com brevidade o espaço em que cada um conviveu, rememorando as vivências maternais como caras, dolorosas e saudosas lembranças, e chega-se aos efeitos das palavras, mas estas apenas sugerem como se estivessem bordadas em ponto de sombra, pois o amor de mãe é fortaleza que não se invade, é fronteira de encantamento que não se ultrapassa; corre-se o risco do sortilégio.

Mãe não é um ser estilizado, nem um espantalho fincado em meio às suas crias afastando o nefasto, nem tão somente um ser genuflexo, desde então, sempre com o rosário na mão. Mãe é a flor no lodo; é o ponto no doce; o ponto de arremate; é a mão no tanque; é as asas no agasalho; é o abrigo à margem do rio de águas revoltas; é o animal felino no desempenho da defesa da cria; é o anjo da guarda que vela o dia, a noite e o futuro; é a flor vermelha no verde do jardim; é a pérola na blusa de seda; é a estrela na graça do universo.

Ser mãe, ontem, hoje e sempre, não é nada; é tudo nos afagos do dia a dia, nas marcas das lágrimas salgadas de agonia, que deixam riscas de seda molhada na face, mas, sobretudo, é o trabalho contínuo da exigência benigna de que o filho sempre cresça no futuro em tamanho, desenvoltura, capacidade intelectual e profissional; é certamente o ser que promove a oportunidade ao filho de vê-la em sorrisos de satisfação pelos méritos conquistados.

Ser mãe é sempre ser um ser sem volta, sem reveses, com a obrigatoriedade e a responsabilidade em dobro. Por falta do apoio do companheiro, as comunidades estão povoadas de jovens que sempre vão e que, às vezes, inúmeras, não voltam, não vivem, sobrevivem numa solta sem cercado, sem a presença do referencial masculino que circunda, ensina, exemplifica, protege.

Ser mulher e mãe, agora, é um desafio maior, é um grito na carne; ter filho num mundo sem a figura do pai, que a sociedade exclui, que ignora a figura da mãe enquanto ser capaz, onde algozes arrebatam o que ela tem de mais caro: o filho que pode ser julgado estranhamente e pendurado não numa cruz, mas a agonizar, a estraçalharem a vida, e depois enterrá-lo a ermo ou decapitá-lo em restos mortais. Ser mãe no mundo de hoje é ter a consciência de que nunca ouvirá a frase: “Mulher, vai! O teu filho foi perdoado”.

De cabelos encaracolados, lisos ou crespos, curtos ou longos sobre os ombros caídos, de cor da pele a banir, ou a atrair o sol, de posses ou pobre, vai a mulher-mãe em trâmite, arrebatando o que lhe apraz, a coleta para desenvolver o instinto materno, como se estivesse a plantar grãos em terra árida.

A mulher–mãe como se tivesse garras felinas faz riscas em barreiras, encostas, a deixar marcas dos seus esforços, na tentativa de levar a prole para um abrigo mais seguro contra enchentes, desabamentos, incêndios, agressões e outras iniquidades. Ser mãe na contemporaneidade é aprender e dar saltos como se fosse realmente uma gata em teto de zinco quente.

E, no silêncio que dói, o escritor se compraz, ao retratar as suas próprias lembranças em palavras que se debulham a chorar saudades de um tempo que não voltará, jamais. E, numa prece, que o arrebata do instante amargo, sonha pela oportunidade que não teve de pronunciar palavras que elevariam um aprendiz: “Mulher, minha mãe, eu sou tudo de melhor, tudo o que você sonhou para mim. Hoje, eu a presenteio na eternidade com esta sentença!”.