Petrucia Camelo

FEMININO EM PAUTA

Petrucia Camelo 15 de abril de 2024

Olha-se o feminino por uma janela estreita com barras, como se o olhar estivesse aprisionado, que não dá para ver como ele é pleno de manifestações de atributos e atribuições diversas, que não cabem em um só olhar. Amiúde, nele apenas se vê a chuva a respingar na roupa lavada estendida no varal, a água, no fogo, esperando grãos a cozinhar, o assoalho a brilhar, que dá gosto pisar, os seios a amamentarem, vidas a acalentar e nos recintos deve haver perfumes e brilho de sol para os cinco sentidos de alguém, mas o feminino tem sonhos, tendências, que despertam talentos a quererem serem postos para fora do âmbito doméstico na prática do dia a dia.

Há, no caminho da História da humanidade, rastros femininos de pés pequenos, delicados e passadas alternadas pelo tempo, calcando inferioridade, humilhação, escravidão, exploração sexual, sofrimentos; mas a sensibilidade e a fé em si mesmo e em Deus nunca o abandonaram, as vivências restritas ao inferior, geraram forças, estabeleceram vozes e atitudes que designam o devido encorajamento do levante para se autodesenvolver, engrandecer a melhoria de papéis sociais. O sofrimento feminino está gerando evolução, se tornando uma opção e não deve mais ser denominado como destino de mulher.

Embaixo das pedras do caminho, o feminino fez morada, e sobre elas deuses do Olimpo sentaram-se e fizeram leis de amparo que o cercou, mas nem sempre designam seguridade e que não apagam experiências negativas anteriores que o impediu de se tornar independente. Porém, a fragilidade do feminino é como o fio do bicho-da-seda tecido em tear, maleável, sedoso, dobrável, mas a sua composição não determina somente a maciez, a beleza, mas sobretudo, a qualidade do tecido que não se machuca, o brilho que seduz; embora, ao ser tocado por mãos grosseiras, possa, ainda, esgarçar.

No feminino espera-se que o tempo à santidade lhe talhe a face, pois há os que dizem que a santidade não é obra de um dia; espera-se até que a sobriedade, a tolerância, a paciência lhe deem a cor dos que vivem à margem da espera, espelhada na linha infinita do divisor das águas com o céu; da terra com a lua, o sol.

No feminino, tudo se espera que, haja tochas ou mesmo candelabros nos corredores de seu “habitat”, um prato de comida quente no fogão, um canto aconchegante com cobertor perfumado para dormir; espera-se mais ainda: que se alarguem as medidas de seu coração, e que de suas entranhas, em dor, nasça o fruto do amor humano e de Deus, que irá embalar para o mundo.

No entanto, o feminino não é somente o pórtico do nascimento de um novo ser humano, que por si só o enobrece. Ele ascende em uma linha divisória estipulada pela luta, para ser, vivenciando o ontem e o hoje; procura transcender esse plano imposto combinadamente por forças religiosas e por sanções sociais iniciado em um passado remoto.

Hoje, o feminino aprende a dirigir a vida sem olhar pelo espelho retrovisor; sabe avançar sem ter medo do que não pode ver pelo ponto cego; passa em meio às aflições e segue na estrada firmando o controle da direção dos próprios passos. Com as mãos em concha sobre os olhos espia o horizonte, para ver o que pode ver, pois sabe que já existem conquistas no crescimento humano e social feminino que dar formas construtivas para cuidar de si mesmo.

E quando o feminino acordar no dia em que a renovação o inspirar a tudo recomeçar, que não será uma fuga, ou querer provar o próprio valor, e sim demonstrar que se tornou um ser que firmou conscientemente a sua importância no relacionamento com o mundo em que vive; certamente o futuro irá contemplá-lo, com a fortuna crítica dos valores obtidos para o sucesso alcançado. Pode-se, então, sentir os versos da grande Florbela Espanca, no poema Soneto quatro: Tudo é belo e santo visto assim.../ Foram-se os desalentos, os cansaços.../ O mundo não é mundo: é um jardim! / Um céu aberto: longes, os espaços!

Quando as folhas caem, as árvores sabem que novas folhas hão de vir, e que a espera será florida e frutífera e que não há o que temer. Bem assim, deve ser o desejo de mudança comportamental do feminino, almejando renovar o crescimento por meio do conhecimento do mundo e de si mesmo, de ir em busca do novo, de entender que o tempo é uma constante provocação, como se ele fosse um papel em branco à frente pedindo, que derrame letras azuis sobre ele.

O feminino sabe que o crescimento é uma eterna conspiração a favor do convite para a festa da vida; que as exigências para participar são atitudes apreendidas para se preparar e não relutar; sem esmorecer e não esquecer os sonhos de ser mulher, e sempre sonhando que o traje deve ser de transparências salpicadas de estrelas e, se pisá-lo e cair, deve levantar-se e se levantar bem quantas vezes forem necessárias.