Petrucia Camelo

Jesus Cristo: Tirá-Lo da cruz, eis a questão!

Petrucia Camelo 29 de fevereiro de 2024

Para o cristão, a quaresma é um preparo para o encontro com Jesus Cristo, mas é preciso ser também um caminhar para o encontro consigo mesmo; é um tempo propício para se fazer uma introspecção, analisar o que já foi feito e o que ainda se tem para fazer e, ainda mais, se há a possibilidade de se ter algo para descobrir, para revelar, até que ponto leva-se a vida a sério; as verdades guardadas precisam vir à tona. Indubitavelmente, deve ser assim na terra, na plateia dos seres humanos.

A palavra, no relato sagrado da tradição cristã, paginou-a por milenares gerações, mantendo o que não recrudesce; mostra a paixão e morte de Jesus Cristo culminadas em uma tarde de sexta-feira há mais de dois mil anos.

No palco da crucificação, na cruz, homens condenados, entre eles Jesus Cristo, julgado por devoção ao amor e ao perdão ao próximo, agonizante, coroado de espinhos, de pele retalhada e com um lado do corpo aberto em chagas por lanças de algozes.

Foi quando a cortina do templo rasgou-se de alto abaixo, chuvas torrenciais desceram à terra que tremeu e as pedras se partiram, mortos ressuscitaram, raios e trovões se abateram sobre o Gólgota. Mesmo assim, registra-se na Bíblia, que Ele manteve o curso de sua dimensão mística com aqueles que O ladeavam, falando-lhes do amor do Pai, do perdão e da salvação.

E segundo o que narram os textos sagrados, pois não se dispõe de outras vias de explicações sobre o estado terminal do Cristo crucificado, Ele balbuciava palavras incompreensíveis para o momento, mas que, até hoje, são pronunciadas como mensagens divinas. Ao pé da cruz de Jesus Cristo, havia desde pessoas que O negavam e a Ele se opunham, a outros que O amavam, curvados em desespero, Marias, Madalenas e seguidores em comoção. Nestes últimos momentos, nem tantos se fizeram presentes; o grande número de seguidores, inclusive a maioria dos apóstolos, se omitiu, o medo da repressão os afastou, e mesmo Cristo, aparentemente, nada mais tinha a dar. Para muitos naquela atualidade, acabara o espetáculo da distribuição de milagres. Dele, até hoje, o incompreendido preceito da palavra “Amai-vos uns aos outros”.

Entretanto um desafio maior caiu sobre a humanidade: tirá-Lo da cruz, eis a questão! Passaram-se séculos e Jesus Cristo ainda está no martírio da crucificação, como se o Gólgota se tivesse estendido em dimensões continentais, a verter sangue continuadamente pelas atrocidades cometidas pelos seres humanos.

As chicotadas que O fizeram contorcer-se no caminho da via crucis ainda lhe descem sobre o corpo ao sentir as minorias sucumbirem em variações de formas negativas, que sem terem o que retirar de suas próprias sombras, deixam-se levar pelo clamor das necessidades não atendidas, levando-as, muitas vezes a descerem à posição do animal inferior, que, inclusive, mata, ainda mais com um agravante a ser observado: o animal comum não mata necessariamente os da mesma espécie.

Posicionado na cruz, Jesus Cristo continua a esperar pela validade do exemplo dado: senão, que sentido teria a Sua morte? Ele ainda espera pela conversão dos homens; ao modo de um estado eterno de divindade, espera ser atendido em Sua primeira e mais importante reivindicação: “Amar a Deus e ao próximo como a ti mesmo”. Espera reunir aqueles que, de fato, trazem na natureza qualidades que somente a Ele pertencem.

As recomendações cristãs nunca foram tão necessárias: rios de sangue correm em vielas, morros e encostas sobre a terra árida de resoluções; não há aproximações; há barricadas, boletins de ocorrências. Há Marias engolfadas em lágrimas, doenças e ignorância. É preciso priorizar o que é adequado para o bem de todos na comunidade. Não é benéfico continuar interpretando o mesmo papel condizente com o do “lava as mãos”, alheio ao grito final que ecoa da cruz: “Pai, perdoa-os, porque não sabem o que fazem”. É egoísmo continuar concentrando-se e atuando em um cenário de cavernas, às escondidas, trabalhar abençoando a si mesmos.

E uma meditação acolhe a Semana Santa: Jesus Cristo também continua selecionando aqueles que O seguem, que O escutam, que caminham com Ele, que não põem a perder a Sua intencionalidade, até haver o resgate total e final dos bons, em um chamamento silencioso, de coração para coração, de espírito a espírito, de obras a obras, como fez durante o Seu processo de seleção a chamar os apóstolos. Talvez, essa seja a forma de tirá-Lo da cruz.

Espera-se que a Paixão de Cristo não seja a última tomada de cena, e, sim, a Sua ressurreição o princípio do tão esperado retorno glorioso à terra, que, sem data definida, já iniciou no processo da ressureição, quando túmulos se abriram e muitos corpos falecidos se levantaram. Auxiliá-lo, na manutenção dos Seus santos propósitos, é de todos o dever cristão “Desatai-o e deixa-o caminhar”. (João, apóstolo).