Petrucia Camelo

Carnaval: labareda que ilumina

Petrucia Camelo 10 de fevereiro de 2024

Por meio da literatura, fragmentos da história do carnaval atravessam os séculos, estão presentes na escrita do ontem e do
hoje. Entretanto, não é fogo de forja que dobra o ferro, o aço; não queima como fogo em brasa. Carnaval não é somente tradição; é fogo de palha com labaredas que iluminam o momento, mas logo se apaga deixando fuligens no ar. Não é à-toa a denominação que se dá ao amor no período do carnaval – amor de carnaval

O carnaval faz o folião embrenhar-se nos dias e nas noites de festa como fogo reparador; faz o povo dançar, como se estivesse pisoteando as mazelas do ano anterior; desassossega, mas não causa dor; repara a alma que, mesmo em genuflexão, levanta-se ao som musical do frevo, do samba, e, sem se importar com a posição
do corpo, leva a cantar bordões específicos e entre outras criatividades musicais, que fazem a alegria do povo; faz o folião suar, sentar-se na calçada ou deitar-se nas areias praieiras e descansar

No período carnavalesco, apesar da descontração, os demais sentimentos, também são companheiros para o fortalecimento do ânimo; mas, desses, a reflexão sobre o que vem depois. Então, tem￾se no carnaval a mente voltada para a iniciação da luta pela prática dos projetos que se há de vir a executar no decorrer do ano e iniciá￾los logo após o carnaval

Em meio ao frevo e ao molhado da fantasia, nesse fogo, nesse relaxamento, surgem pensamentos de preocupação sobre encontros que virão, para discussões de novas ideias, até mesmo, pela  influência recebida das coisas que as notícias dizem e não dizem; pois, como se sabe, no Brasil tudo começa após o carnaval

O folião se dá a conhecer, no rito da passagem da ilusão carnavalesca, pelas fantasias que o acompanham nas passarelas, variáveis, unidas à pele como emplastro a curar feridas; há quem precise delas com brilhos de paetês, lantejoulas, que deixam rastros de brilhos e alguém sempre os segue. São sempre bordadas na
vestimenta típica do carnaval, que, hoje, nem sempre são fantasias; são roupagens comuns do dia a dia, embora o olhar já enxergue o que é simples, e logo pós-carnaval, alguém as herda, alguém, que,
sem fogo, pede a outros um tostão.

O carnaval abre alas numa mesma alegria, é festa de todos, mas, como se lê em Júlio de Lemos (escritos de 1883): tem evoluções de classe para classe social. Vai do frangalho para o veludo.... Entretanto, no carnaval, o mundo reveste-se de alegria colorida; em geral, deixa-se vestir de festa no modelo de folia, refletido nas imagens dos desfiles, coerentes com as passarelas e com a disposição do folião não somente envolto em confetes e serpentinas, mas também em fantasias de acordo com o tema da escola de samba.

No embelezamento carnavalesco têm-se os frevos, as marchas na voz dos puxadores de samba, os desfiles de blocos de rua, os corpos bronzeados, delineados pela malhação, a nudez que encobre as fantasias na passarela, o intumescimento da beleza da juventude estampada nas faces dos mais jovens, e tudo o mais que condiz ao pago pra ver: desde as biroscas, os barezinhos das orlas marítima e lagunar, aos burburinhos momescos dos alpendres, dos requintados restaurantes, das sacadas e salões dos grandes hotéis; também, o carnaval pode ser dias de recolhimento, aproveitados pelos recatados. Enfim, pensa melho

Enfim, pensa melhormente o povão, que faz jus à embriaguez da folia, a se dizer que o carnaval é loucura, é fogo de festa. Propicia
momentos de descontração mesmo com a falta de dinheiro, pois se dança na rua, bebe-se e come-se em botecos ou nos mercados e nas calçadas, dorme-se na praia, não se precisa de fantasias, somente de trajes de banho: bermuda e camiseta, pois o povão sabe que sempre existe um lugar onde se pode olhar o fogo sem se queimar.

É assim que o carnaval sobrevive, traz o seu prato cultural e alimenta-se do banquete do momento, trazendo como sobremesa as novas práticas com sabor das tradições; alterna com o gosto da paixão pela vida em movimento. Contudo, se há de dizer não aos
excessos que causam dor, traumas, perdas no tocante ao torpor do cérebro. Deve-se primar por inteiro pela alegria de estar no reinado de Momo, a queimar em labaredas de satisfações: no alpendre de casa, na praia, nos blocos de ruas, no clube, no sambódromo e demais alternativas. Como bem diz a canção - o que se quer, nos versos: a vida é um dia/ dia sem culpa/ dia que passa. Interpretada por Marisa Monte.

Petrucia Camelo - poetisa e escritora