Enio Lins

O sal da terra e a felicidade que morava ao lado

Enio Lins 30 de janeiro de 2024

João Pinheiro Nogueira Batista, que se apresenta como CEO das Lojas Marisa e membro do Conselho de Administração da Braskem, afirmou, no dia 27, em seu perfil no Linkedin: “a dita tragédia de Maceió não existiu. Graças a Deus não morreu ninguém. A ação coordenada de todos e a liderança da Braskem evitaram a tragédia”.

Como alguém pode dizer que “a dita tragédia” [provocada pela Braskem] não existiu? “Não morreu ninguém” – afirmou. Quantas pessoas precisariam ser engolidas pelas cavernas em dolinamento para que o ilustre cidadão (CEO da Marisa e pinheiro florescente no canteiro da Braskem) possa vir a considerar que a realidade é trágica?

SENHORA DA SITUAÇÃO

Desde que se instalou em Maceió a empresa (antiga Salgema) manda e desmanda. Garante que “tragédias não existem” – e se acontecem, nega. Depois diz que tudo, “graças a Deus”, está sob controle pela “liderança da Braskem”. Afirma que “não morreu ninguém” (não mesmo?) e retira da contabilidade irreal as vidas prejudicadas nos bairros desabitados à força, além dos prejuízos ecológicos. Tudo bem, diz a Braskem.

Um dia após o post desastroso, Batista afirmou à coluna Painel S.A. (Folha de São Paulo) que “os valores [de indenização] foram acima da média. Há um provisionamento bilionário no balanço para as reparações e transferimos essas pessoas o mais rápido possível para evitar mortes. Tenho orgulho de fazer parte do conselho de administração que liderou todo esse processo”. Diarreico, João obrou na entrada e obrou na saída.

MANDA, PAGA E DESMANDA

Como o nobre executivo confessa, a empresa lidera “todo esse processo” às custas de “um provisionamento bilionário no balanço”. Pagou, levou. Pagou, calou. Esta é a prática que tanto orgulha o Batista que também é o João da Marisa. Mas o termo certo, caro Pinheiro, é “domina” e não “lidera”: a Braskem domina todo esse processo, sim.

Além de ter se apropriado de uma parcela considerável da área urbana de Maceió – obrigando o deslocamento de cerca de 17 mil famílias de suas casas, e de ter comprado uma anistia eterna junto à prefeitura da capital por um capital de R$ 1,7 bilhão – a Braskem afia as brocas para seguir furando o solo noutros municípios do Litoral Norte.

ARROGÂNCIA E INSENSIBILIDADE

Com toda razão, as declarações de João Pinheiro provocaram revolta e indignação. Do senador Renan Calheiros aos moradores dos bairros afetados, passando pelos grupos de mobilização contra o crime ambiental, as redes sociais se encheram de protestos contra as falas do CEO da Marisa e membro do conselho de administração da Braskem – que segue na mesma toada de uma prepotência cinquentenária.

Nos idos de 1974, sem conseguir responder tecnicamente às colocações do ecologista José Geraldo Marques sobre os graves riscos do projeto sal-gema, um executivo da empresa vociferou: “é mais fácil mudar Maceió de lugar que mudar o lugar que a Salgema quer se instalar em Maceió” – cinco décadas depois, parte da cidade realmente mudou de lugar: cinco bairros foram desabitados a pulso, total ou parcialmente.

OUVIDOS MOUCOS

Enfim, nada parece mudar. O crime parece compensar, pois depois de comprovada a tragédia anunciada (mesmo “sem mortes” até agora, como agradeceu João Pinheiro a Deus), nenhuma alteração é percebida nos planos e procedimentos da empresa que se prepara para seguir furando cavernas da mesma forma como desastrosamente fez em Maceió. Os altíssimos lucros e a impunidade compensam eventuais indenizações.

Afinal, estamos hoje em Alagoas como cantou o genial mineiro Beto Guedes em “Sal da Terra”, em 1981: “A felicidade mora ao lado/ e quem não é tolo pode ver/ a paz na Terra amor/ o pé na terra/ a paz na terra amor/ - O sal da Terra/ És o mais bonito dos planetas/ tão te maltratando por dinheiro”.