Enio Lins

Raízes do mal, ou mal-gema, em Maceió

Enio Lins 08 de dezembro de 2023
Protesto ambientalista contra a duplicação da Salgema, em 1985

Pelo menos três elementos devem ser considerados essenciais para o entendimento de como as coisas chegaram aonde chegaram em Maceió, com a comprovação do crime ambiental Salgema/Braskem.

1) SONHO ANTIUSINEIRO – O velho anseio alagoano por outra opção econômica que não a cana-de-açúcar é (ainda hoje) o motor que impulsiona as mais variadas experimentações. Perigosa era a aventura do sal-gema, mas foi apresentada como a redenção econômica contra a “terrível opressão dos usineiros”. A classe média embarcou com gosto rumo a um futuro dito promissor e emancipado das usinas.

2) MANU MILITARI – Os anos 70 marcaram com o fake “milagre econômico”, numa realidade corruptora que a censura à imprensa e a subjugação do judiciário garantia o silêncio absoluto. Nessa cena autoritária, a cloroquímica tinha papel estratégico, mirando o mercado bélico dos organoclorados (em uso pelos americanos na Guerra do Vietnã). Tão importante era essa questão, que o general Geisel, depois de deixar a presidência da República, virou o gestor da Norquisa, holding que controlava a então Salgema. Conforme pode ser lido no site Intercept, o SNI monitorou todas as manifestações contra o projeto Salgema, chegando a detalhar em seus informes de polícia política o desfile do bloco carnavalesco “Meninos da Albânia”, já em 1986.

3) PRECONCEITO CONTRA AMBIENTALISTAS – Mesmo em seus primeiros passos, os movimentos ambientalistas cumpriram seu papel em Maceió, denunciando o que estava em curso, e os famigerados relatórios – então secretos – do SNI comprovam isso. Sofria, o ativismo ecológico, duas pressões distintas: da ditadura militar brasileira e das classes médias alagoanas, estas considerando que “os barbudinhos viados do meio-ambiente” (como lembrou Géo Bentes) atrapalhavam o futuro radioso da indústria química local.

E AGORA? – Desses três fatores, deixou de existir o regime ditatorial-militar. Apesar da unânime grita contra a Braskem, seguem vivos o anseio por novas alternativas econômicas (muito justo) e o preconceito contra ambientalistas (muito injusto). Descartar esse preconceito, unindo ambientalismo aos projetos econômicos inovadores é o caminho para eliminar crimes ambientais – que seguem sendo cometidos noutros campos, além das minas oca

HOJE NA HISTÓRIA


8 de dezembro – Nalgum momento da história multirracial do Brasil, esta data foi escolhia pelos cultos afro-brasileiros como um de seus marcos, camuflando sob o manto dos festejos cristãos os rituais herdados da África autêntica, pré-cristã.

Na liturgia cristã, 8 de dezembro é comemorado desde 1477, quando o Papa Sisto IV criou naquela data a “festa da Imaculada Conceição da Virgem Maria”.

Traficados como escravos para o Brasil desde o século XVI, os africanos tiveram que “embutir” suas divindades na mitologia católica. Nas comemorações da Imaculada Conceição foram “escondidos” os ritos à Iemanjá (cultura bantu) e a Oxum (cultura iorubá). Para garantir alguma segurança frente à repressão senhorial, os cultos bantus criaram uma imagem de Iemanjá à semelhança de “Nossa Senhora”, como jovem branca vestida num azul virginal.

Em Alagoas, particularmente em Maceió, o Dia de Iemanjá, 8 de dezembro, é a única festa religiosa de rua da matriz africana. Momento histórico muito significativo e que merece ser reconhecido oficialmente como Patrimônio Imaterial.