Enio Lins

Verde ou não ver-te, eis a questão

Enio Lins 11 de novembro de 2023

Voltemos a conversar sobre o Hotel Jatiúca, pois o tema é palpitante e, com razão, sacudiu a opinião pública. Merece permanecer em pauta pois o desplanejamento urbano em Alagoas é um cancro maligno e sem tratamento até hoje.

Não se trata de um problema isolado, restrito ao histórico hotel Altesa (com s), mas sim um poderoso reflexo do desregramento urbano que sempre imperou no Estado e não apenas na Capital, embora em Maceió a tragédia seja maior.

Aqui, nas Alagoas, mais talvez que no resto do País, a especulação imobiliária pinta e borda, corta e costura, faz e desfaz. Vejam o precioso Litoral Norte, de Maceió a Maragogi: a predação da beira-mar é avassaladora e assustadora.

Parece uma reedição da praga bíblica dos gafanhotos famélicos, virados na peste, comendo tudo, devorando qualquer traço de verde até o talo, desfolhando a vegetação sem deixar sinal de flores, frutos, galhos – roem até as raízes.

UMA ILHA DE VERDE

Correto é o “partido arquitetônico” (como dizia antigamente) do Hotel Altesa Jatiúca, com sua horizontalidade harmonizada com a Natureza, garantindo suas cumeeiras abaixo das copas dos coqueiros e abraçando (e salvando) a Lagoa da Anta.

Arquitetou-se o Altesa Jatiúca aquietando-se suas edificações entre a vegetação, sem conflitos, com prédios baixos e espalhados em meio a incontáveis coqueiros, além de outras árvores frondosas e plantas de beira d’água.

Este é o grande mérito do Altesa Jatiúca, obra de cidadania ambiental (se não perfeita, indiscutivelmente a melhor em Alagoas), preservando a cobertura vegetal. Ilha verdejante, única, numa inóspita selva de pedra e asfalto.

Essa ilha verde no mar de cimento armado da Jatiúca é um bem de toda a cidade, tesouro da coletividade, mesmo sendo área privada. Inconcebível é esse perímetro verdejante, todo em área de Marinha, ser simplesmente detonado.

BEM PRIVADO, USO PÚBLICO

Privado, sim, é o Hotel Jatiúca. Mas o uso é público. Usufruído também pela população nativa, frequentadora dos espaços principescos do Altesa, desde a sua fundação. Nunca foi ambiente exclusivo de quem lá estivesse hospedado.

Esta alteração de uso, assim anunciada, é mudança radical. Altera a relação social com a cidade, além da – terrível – (repito) ameaça de desaparecimento da única ilha verde que marca um litoral atrofiado pela ocupação desordenada.

Trauma maceioense, a destruição do Hotel Bela Vista (sem verde, apenas um imóvel), há seis décadas, seguiu o mesmo caminho: a ditadura da especulação imobiliária trucidando os interesses comunitários e democráticos.

Sintomaticamente, o Altesa Jatiúca substituiu o Bela Vista, restaurando o orgulho maceioense por dispor de um hotel icônico que fosse referência nacional e, simultaneamente, abrigo para as atividades sociais da população nativa.

Sobre esse papel do Bela Vista como ponto de encontro e convivência entre nativos, recomenda-se a leitura do romance policial “O Anjo Americano”, escrito por Luiz Gutemberg. Sobre essa função do Altesa Jatiúca, é só ir lá – antes que acabe.

Acerca da relação entre interesse público versus especulação imobiliária – que lição ficou do triste fim do Palace Hotel Bela Vista? Nenhuma?

Ninguém vai pedir o tombamento do Hotel Jatiúca? MP? IAB? CREA? CAU?...