Enio Lins

O dia em que o Brasil virou Brasil, entre mitologias e realidades

Enio Lins 07 de setembro de 2023
“Proclamação da Independência”, de François-René Moreaux (1844), menos artificial que o apologético quadro de Pedro Américo, mas sem negros ou índios, e preservando o foco em Pedro I como herói único

Nos últimos tempos a historiografia não oficial, reflexiva e provocadora, tem carimbado como “golpes” acontecimentos marcantes antes livres desse epíteto, como a antigamente chamada “Revolução de 30” e até a Proclamação de República.

Por outro lado, essa mesma tendência analítica deixa de fora movimentações como o levante recifense de 1817 (usando ainda o indevido termo de “revolução”) e a nordestinadamente Confederação do Equador, em 1824.

Para a tentativa segregacionista dos Farrapos igualmente se ajeita cerimônias de louvação ao movimento separatista comandado por Bento Gonçalves com participação especial do revolucionário italiano Guiseppe Garibaldi. E por aí vai.

Fato é que todas essas agitações, insurreições e intentonas são complexas, têm motivações distintas e, quase todas, pouca participação popular além do ancestral e tradicional papel de bucha de canhão, como se dizia antanho.

Todas têm seus méritos e seus deméritos, conquistas e retrocessos. Todas contêm importantes lições, ensinamentos preciosos – quase sempre menosprezados, com o festejo da efeméride local substituindo uma análise mais criteriosa.

UMA INDEPENDÊNCIA AJEITADA

Não poderia ser diferente em relação ao Sete de Setembro. É uma conquista histórica, um avanço impactante não só para o Brasil, mas para a correlação de forças mundiais naquele começo do século XIX.

Mas, ao contrário dos Estados Unidos, a independência do Brasil não foi um gesto insurrecional, uma ruptura revolucionária, pois a mesma dinastia seguiu reinando nos dois países que já eram reino unido, e não mais colônia, desde 1815.

Para confirmar a uniformidade das mesmas elites luso-brasileiras no poder, Pedro I passou adiante a coroa brasileira ao filho criança, e voltou para Portugal onde recolocou a coroa portuguesa no próprio quengo como Pedro IV.

Os Bragança se mantiveram no poder aqui e além-mar sem constrangimentos e com eles (Pedro I/Pedro IV, Maria II, Pedro II...) as mesmas elites dirigentes lá e aquém-mar, fechando bons negócios e indenizações recíprocas.

Sempre existem segmentos descontentes e dissidentes entre as elites. As classes dominantes vivem em brigas latentes que explodem em conflitos guerreiros aqui e ali, e no processo de Independência do Brasil isto também ocorreu.

Por esse ângulo de visão merecem mais estudos as batalhas reais pela independência brasileira, desde a expulsão das tropas portuguesas de Pernambuco em 1821, passando pela Batalha do Jenipapo (Piauí) e o 2 de julho (Bahia), em 1823.

Todos esses confrontos pela consolidação da Independência do Brasil foram heroicos e patrióticos, porém pouco estudados e praticamente ignorados para além das comunidades onde ocorreram. Hora de se rever isso.

DATA PARA SE COMEMORAR SEM VACILAR

Resumindo: nesse cenário rico em complexidades, contradições e particularidades, personagens e fatos ainda esperam a transição de mitológicas referências para focos de estudos e conhecimentos mais aprofundados.

Entre os Bragança, Dom João VI é acintosamente menosprezado, Dom Pedro (I/IV) supervalorizado, Pedro II santificado, Princesa Isabel romanceada. E a Princesa Leopoldina, uma gigante para a Independência, quase ignorada.

Entre as lideranças brasileiras, felizmente José Bonifácio foi parcialmente salvo, reconhecido como o “Patriarca da Independência” – mas quem mais, entre os nativos, teve papel preponderante na construção do Brasil-Nação?

Viva a Independência do Brasil! Viva o estudo sobre o surgimento do Brasil-Nação! Abaixo todas as mitologias e deformações históricas!