Enio Lins

Quando a violência e covardia passam a ser dogma de fé

Enio Lins 21 de junho de 2023

Crimes em nome da religião, incitação ao ódio por sacerdotes é coisa que não falta na história desde muito antes do termo “sacerdote” aparecer nos vernáculos. A Santa Inquisição é o exemplo mais notório desse crime, mas não foi o primeiro nem o único.

Ao pedir ao seu deus particular que Ele “quebrasse a mandíbula do Lula”, um autodefinido pastor teve seus minutos de fama. Mas não é a primeira pessoa, expoente de alguma religião, que resolve expor sua deidade à tamanha indignidade.

Deuses existem para todos os gostos. Há quem projete um ser divino da paz e do amor, há quem adote um deus da guerra e do ódio; existe quem se submeta ao criador, e existe quem crie um deus pistoleiro submetido a seu próprio serviço.

Nos últimos tempos, no Brasil, tem crescido um comboio de falsos profetas de divindades bandidas. Um pastoreio politiqueiro, fascistóide, golpista, violento, se projeta em deuses às suas imagens e semelhanças. São arautos e arautas do falso messias.

Mas tem o lado bom e do bem: Nunca deve ser esquecido o exemplo corajoso e generoso, em tríplice comunhão, do rabino Henry Sobel (1944/2019), do cardeal Paulo Evaristo Arns (1921/2016) e do pastor Jaime Wright (1927/1999).

Em 31 de outubro de 1975, sob e contra as trevas da ditadura militar, o rabino, o cardeal e o pastor ministraram um culto ecumênico em memória de Vladmir Herzog – judeu, jornalista, esquerdista – torturado e assassinado covardemente no DOI-CODI paulista.

Não pediram que Deus quebrasse a mandíbula de ninguém, que o céu castigasse alguém. O rabino, o cardeal e o pastor oraram por liberdade, por paz, por democracia, por respeito aos direitos humanos. E denunciaram a tortura e o assassinato.

48 anos depois, teístas, ditos sacerdotes, vêm à público pregar o ódio, disseminar mentiras, defender o crime institucionalizado, apoiar golpistas, abençoar genocida. É falar ao contrário, inverter o escrito nos velhos livros sagrados.

Descaramento, covardia, misoginia, homofobia, racismo, golpismo, mentira passaram a ser atitudes “pias” de quem defende um falso messias descarado, covarde, misógino, homofóbico, racista, golpista, mentiroso. Vade-retro, satanases!


HOJE NA HISTÓRIA



21 de junho de 1662 – O padre Antônio Vieira é levado ao tribunal da Santa Inquisição, sob acusação de defender judeus e de acreditar no Sebastianismo (mito popular sobre o retorno de Dom Sebastião, monarca português sumido em batalha no ano de 1578).


Considerado um dos maiores oradores de todos os tempos, Antônio Vieira nasceu em Portugal, em 1608. Seu pai, Cristóvão Vieira, foi enviado ao Brasil como escrivão, em 1614, e quatro anos depois mandou buscar sua família. Desde os dez anos, portanto, Antônio vivera e crescera no Brasil, onde estudou se tornou padre. Mais tarde, voltou à Europa onde prosseguiu brilhante carreira não só em Lisboa, mas outras cortes também.


Diz-nos a Wikipédia: “António Vieira defendeu os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos a força ao catolicismo, perseguidos e exterminados pela Inquisição) durantes mais de 300 anos e cristãos-velhos (aqueles cujas famílias eram católicas há gerações), e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição”.


Depois de dois anos de julgamento, Vieira foi condenado a uma espécie de prisão domiciliar, ficando três anos detido em conventos, entre 1665 e 1668, até receber o perdão das penas. Livre, não se acovardou, seguiu com suas lutas na Europa até 1681, quando, doente, voltou para o Brasil. Morreu em Salvador, Bahia, no dia 18 de julho de 1697


Mais em: https://history.uol.com.br/hoje-na-historia/padre-antonio-vieira-e-intimado-depor-no-tribunal-da-inquisicao