Enio Lins

Quadrinhos são literatura também?

Enio Lins 29 de abril de 2023

Maurício de Sousa, o cara do gibi brasileiro, candidatou-se à Academia Brasileira de Letras. Processo democrático, no qual entrou – aparentemente – para marcar posição, pois o filólogo Ricardo Cavaliere era o franco favorito desde muito antes, até por ter sido nome bem votado numa eleição anterior para a casa de Machado de Assis.

Sem surpresas, o resultado confirmou as expectativas. Maurício de Sousa parabenizou o vencedor, gesto civilizado e democrático que deixou de ser banal nalgumas das mais importantes disputas recentes, como nas eleições presidenciais dos Estados Unidos e do Brasil, onde deselegâncias e tentativas de golpe foram destaques dos perdedores.

Mas o mais importante nessa disputa, que envolveu outras candidaturas além de Maurício e Ricardo, pela Cadeira 8, foi a declaração de que “quadrinhos não é literatura”, feita por um desconhecido concorrente à mesma vaga e que atacou o criador do Cascão para tentar sujar um estilo de arte – e dos mais populares. Polêmica instigante.

Quadrinho ser ou não ser literatura, eis a questão. Insistindo no ponto: as Academias de Letras são exclusivas para letras apenas em seus formatos tradicionais de prosa e poesia? Bem, na ABL temos as maravilhosas presenças de cineasta e de atriz. Lá estão, com toda justiça, Cacá Diégues e Fernanda Montenegro. Antes, na ABL esteve o magnífico Nelson Pereira dos Santos, só para citar mais um nome sem obra em texto corrido ou versificado.

Poder-se-ia argumentar que cineastas, atrizes/atores manifestam suas artes sobre uma base literária original em prosa ou poema. Sim, mas os quadrinistas também. E o estilo “Novela Gráfica” se esmera em literalidade – são contos, crônicas, romances, poemas em fusões artísticas de textos e imagens. Ah, querem deixar de fora o “Gibi”?

Existe diferença entre “Gibi” e “Novela Gráfica”? Dizem exegetas da “banda desenhada” que sim, sendo gibis as histórias em quadrinhos com personagens perenes (não envelhecem e quase sempre nunca morrem) e temas recorrentes; enquanto as “Graphic Novels” são obras únicas para seus personagens e temas. Tem gente que acha isso relevante.

Maurício de Sousa, pela perenidade de seus personagens – apesar das alternativas com suas figuras noutras faixas etárias – seria um desenhador de gibis. Mas é o mais influente gibizeiro do Brasil e um dos mais populares em todo mundo. E tem uma obra diversificada, com grande variação temática, além de inúmeras abordagens educativas.

Se fosse sufrágio direto para a ABL, aberto ao leitorado em geral, votaria eu renunciando ao segredo do voto: Maurício de Souza! E se apresentassem suas candidaturas, votaria na Laerte, na Helô D’Angelo, no Ziraldo, Luiz Gê, Angeli, Marcelo D’Salete, Shimamoto, Shiko... só para listar quem me vem à mente num átimo. Literatura pura + arte gráfica primorosa.

É hora de aposentar o preconceito contra os conteúdos literários em forma de “arte sequencial”, conceito definido pelo grande mestre Will Eisner (1917/2005) genial americano de origem judia cuja obra é pura literatura – e universal, humanística e histórica. No Brasil tivemos e temos estrelas radiosas nesse segmento (literário, sim) dos quadrinhos, numa tradição nacional que nos remete ao século XIX e que merece reconhecimento acadêmico.

Maurício de Sousa e seus personagens imortais

Maurício em versão educativa
Chicko, quadriniznando on line da Paraíba para o mundo
Laerte, referência sem fronteiras
Helô D’Angelo e suas reflexões
Luiz Gê: décadas de traços e textos de pura literatura