Enio Lins

Uma voz que faz o Brasil ser ouvido e respeitado no mundo

Enio Lins 21 de abril de 2023

Alevantou-se uma onda de mimimi como se tivesse desabado o telhado do mundo ocidental-cristão-liberal por conta de uma declaração de Lula, na China, lembrando das responsabilidades dos Estados Unidos e Europa para com a guerra entre Rússia e Ucrânia.

Ignorando essa verdade óbvia-ululante, uns e outros despejaram críticas, sentidas e chorosas, contra o presidente brasileiro. Segue, sobre esse tema, uma dúzia de observações:

1) No começo de fevereiro, Lula visitou o presidente americano Joe Biden e tiveram uma conversa sobre a questão da guerra Rússia x Ucrânia. Do colóquio, ambos não abriram a caixa-preta, mas o silêncio deixou evidente a ausência de unidade de pensamento sobre esse problema;

2) Em seguida, no dia 16 de fevereiro, à CNN, Lula criticou a invasão da Ucrânia, considerando como um “erro histórico” da Rússia, e defendeu a formação de um grupo de países com disposição de discutir a paz [entre russos e ucranianos]. Qualquer dúvida é só acessar https://www.cnnbrasil.com.br/politica/a-cnn-lula-critica-invasao-da-ucrania-e-chama-de-erro-historico-da-russia/;

3) Em 23 de fevereiro, por determinação do presidente Lula, o Brasil votou favoravelmente a uma resolução da ONU exigindo a retirada das tropas russas do território ucraniano e pedindo paz entre Rússia e Ucrânia. O voto brasileiro, acompanhando os Estados Unidos e outros 139 países, desconsiderou uma evidente casca de banana, ao dar margem de defesa da “ucranização” de áreas historicamente russas e que lutam por sua independência;
4) Em visita à China, no dia 15 de abril, Lula propôs um esforço extra pela paz entre os beligerantes e criticou a posição dos Estados Unidos e da Europa como fomentadores e financiadores das atitudes provocativas do governo da Ucrânia; como se sabe, um dos motivos da invasão russa foi a ameaça latente de colocação de misseis da OTAN (somados ao armamento ucraniano) junto à fronteira russa;

5) A fala de Lula em território chinês foi coerente e correta, numa continuação da mesma postura anunciada em fevereiro. Quais as repercussões reais dessa fala? O presidente ucraniano, Zelensky, insistiu no convite à Lula para visitar o país e conhecer a versão de Kiev, ao mesmo tempo o líder russo, Putin, convidou Lula para visitar Moscou e conhecer a versão do Kremlin – num duplo atestado da representatividade internacional de Luiz Inácio da Silva;

6) Nesse meio-tempo, vozes autointituladas americanas se esgoelaram acusando Lula de “defender um país agressor”, de “não defender um povo agredido”, etc., etc... Teria errado Luiz Inácio? Vamos comparar com questões semelhantes, indagando sobre os gestos americanos e europeus nessas ocorrências. Uma mesma moeda não pode ter um lado verdadeiro e um lado falso, pois o que vale para cara vale para coroa.

7) O estado de Israel será boicotado, bloqueado, por invadir e colonizar os territórios palestinos? Será retaliado por ter ocupado as colinas de Golã? O governo israelense será punido por – afrontando a ONU – transformar Jerusalém em sua capital?

8) Os Estados Unidos e a União Europeia serão boicotados, bloqueados, por terem invadido o Iraque e o Afeganistão? Por financiarem a guerra civil na Síria?
9) A tese da “invasão preventiva”, tão amada pela Casa Branca e verbalizada neste caso pelo Kremlin, para “evitar ataques previsíveis” de forças consideradas hostis, será condenada e punida também em relação às ações militares “preventivas” de americanos, israelenses, britânicos, sauditas...?

10) As justificativas russas para a agressão à Ucrânia são exatamente as mesmas apresentadas por americanos, israelenses, europeus, sauditas e outros desse time para descriminalizar suas agressões contra outros povos e países: estariam “reagindo a provocações”, “melhor prevenir que remediar”, “atacar antes de ser atacado”. Isso será reconhecido como erro? Isso vai mudar? E por falar nisso, existirão reparações para os povos e países vítimas dessas ações “preventivas”?

11) Nessas negociações de paz entre Rússia e Ucrânia serão respeitadas as vontades das populações das áreas historicamente russas, cedidas nos anos 60 para a administração de Kiev, e que desejam se emancipar, retornando ao seu status russo? E a política de provocação armamentista da OTAN seguirá sendo a mesma?

12) Enfim: Lula está certo em censurar a invasão russa na Ucrânia; acertou ao criticar Estados Unidos e Europa por investirem na provocação e na guerra; agiu corretamente ao negar fornecimento de armamento brasileiro para esse conflito; acertou ao propor um grupo internacional não-unilateral para tentar um acordo de paz entre russos e ucranianos. Estaria errado, sim, se tivesse ido à Moscou visitar Putin e se tivesse dito que com isso “evitou a terceira guerra mundial”.