Enio Lins

O fantasma da ignorância política ronda o Brasil

Enio Lins 25 de março de 2023

Causou certa estupefacção o resultado de uma pesquisa indicando que 44% das almas brasileiras se assombra com o comunismo e teme sua implantação no País.

Comunismo é vocábulo
referente à condição igualitária entre seres humanos, usado como sinônimo de partilha equilibrada dos bens materiais. A confusão entre os entendimentos distintos desse conceito é antiguíssima e se aprofundou a partir do século XIX.

Do passado mais remoto
, por exemplo, muita gente vê esse fantasma rubro nas palavras bíblicas do profeta Amós, em ditos como “Escutai esta palavra, vacas de Basã, do planalto de Samaria, vós que explorais os fracos e esmagais os indigentes”.

Não poucas pessoas
, ao longo de mais de dois milênios, creem em um Jesus comuna, multiplicando pães e peixes para divisão entre o povo, e liberando – do que era água – jarras de vinho para deleite da gente sedenta.

Num pulo de séculos e séculos
, evitando aqui extenuantes relatos, excluindo avaliações sobre comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, vamos relembrar alguns desses ectoplasmas manifestados a partir do surgimento do tal capitalismo.

Apenas como lembrança
dos intrincados debates dos tempos medievais, sugere-se observar o belo debate – concebido por Umberto Eco em “O Nome da Rosa” – entre Dominicanos e Franciscanos, sobre a posse das riquezas.

Retomemos
a partir do Século XIX: De forma pacífica, foram tentadas experiências de comunidades igualitárias – por exemplo, nos Estados Unidos, em Nova Harmonia, 1825, e na Fazenda Brook, 1840. Ambas engolidas pelo capital americano.

Nova Harmonia
foi iniciativa do socialista Robert Owen, no Estado de Indiana; e a Fazenda Brooks, ideia do casal missionário George e Sophia Ripley, localizada perto de Boston, Massachusetts. Ficaram como exemplos ingênuos.

Em 1848, face às dúvidas sobre a “transformação do mundo”, Marx e Engels escreveram o Manifesto Comunista, uma cartilha inovadora explicando o bê-a-bá, na visão de ambos, o que seria essa sociedade – futura – sem classes.

Em 1871
, eclode a Comuna de Paris, insurreição da população menos favorecida, colocando a capital francesa de pernas para o ar. Considerada a primeira tentativa de transformação radical anticapitalista, foi derrotada num banho de sangue.

Ao sul do Novo Mundo
, essa fantasmagoria havia baixado antes, dizem, nas Missões Guaranis, no século XVIII, em aldeamentos coordenados pelos jesuítas em áreas disputadas por espanhóis e portugueses – que se uniram para massacrar essa experiência em 1753.

Assombração que também paira sobre a memória do Arraial de Canudos, na Bahia, onde a suposta partilha igualitária de bens entre os seguidores de Antônio Conselheiro ainda hoje estimula ilações sobre um “comunismo entre pobres”, nos idos de 1896.

Mas, com a revolução russa de outubro/novembro de 1917, esse tão temido espírito vermelho, enfim, desceu à terra com gosto gás, e – como uma das respostas – a propaganda anticomunista vadiou desde então de forma avassaladora.

As estórias fantasmagóricas
sobre a União Soviética, China e Cuba se espalharam mundo afora ocultando as respectivas histórias de cada uma dessas experiências, sem falar de exemplos como o Vietnã. Já a Coréia do Norte é vista como alma penada.

Historicamente, a implantação de modelo intitulado Comunista é produto de enfrentamento contra regimes de tipo autoritário, mais das vezes em meio à guerras entre nações. Não existe ocorrência desse tipo de mudança sob sistemas democráticos.

Defender ou atacar o comunismo
como tese e/ou ideal são atitudes contemporâneas, desde sempre, mas acreditar (temendo ou amando) em sua implantação, no Brasil, no período histórico em curso, é analfabetismo político puro e simples.

Eita, por falar nisso, sem querer lhe assustar: neste 25 de março o Partido Comunista do Brasil completou 101 anos de vida... Viva!