Enio Lins

Em 40 anos, a atrofia do que um dia foi bom humor

Enio Lins 15 de março de 2023

“Alô mamãe! Eu te amo”, assim Agnaldo Timóteo, ídolo da música popular, no seu primeiro discurso como deputado federal, em fevereiro de 1983, apostou no inusitado e teatralizou, na tribuna da Câmara, um telefonema para sua mãe. 40 anos depois, outra teatralização inusitada mostrou o quanto a política brasileira se degenerou.

Não existiam celulares na época, e o deputado/cantor levou para a tribuna um tijolão de cor amarelada, parte destacável dos então modernos telefone sem fio. O gesto teatral cumpriu seu objetivo e atraiu a atenção da mídia em todo Brasil. No mesmo ano, lançou um LP intitulado “Alô mamãe! Eu te amo”, vinil que ainda hoje circula entre seu fã-clube.

Agnaldo Timóteo era mestre em polêmicas, esgrimava declarações provocativas (para a época) e a lenda diz que não levava desaforo para casa; sua fama de bom de briga corria o Brasil, alertando sobre o risco de nocaute para quem o provocasse como botafoguense doente que era, ou tirasse onda com sua vida sexual. Seria sopapo certo.

Tempos românticos, aqueles. O “Alô, mamãe” gerou um bom debate sobre se seria conveniente ou não, por cênica, a fala do mineiro eleito pelo PDT carioca. Teorizou-se sobre o amor de mãe e sua respectiva utilização na política.

Quatro décadas depois, no Dia Internacional da Mulher, outro mineiro, o deputado mais votado do Brasil em 2022, levou para a tribuna da Câmara Federal uma peruca dourada, colocou-a no quengo e ironizou contra as transsexuais, buscando humilhar e ridicularizar, numa agressão que não foi gratuita, muito menos impensada.

Buscava, em sua pantomima preconceituosa, ampliar sua interação com um público nocivo, discriminador, e que vê na humilhação, intimidação e agressão métodos válidos para combater quem não lhes agrade, quem ouse um estilo de vida que não se enquadre dentro das quatro linhas de suas mentes abusadoras.

Segundo a mídia especializada, nos momentos seguintes à presepada, as adesões às suas redes sociais pularam para mais 48 mil pessoas. Uma simples postagem, dias depois, desse parlamentar ao lado do mito dele (imagem aparentemente colada) gerou, de cara, 190 mil curtidas e 2.572 comentários.

Pertinente é o debate sobre a punição adequada para esse ato do deputado bolsonarista, mas essa deixa de ser a questão principal quando se constata que esse indivíduo, e seu gesto preconceituoso e agressivo, representa milhões de brasileiros. Ô trem nojento, sô! Saudade do Agnaldo Timóteo, e de suas provocações que não visavam o mal de ninguém.

HOJE NA HISTÓRIA


15 de março de 1985
– Posse de José Sarney como presidente da República, o primeiro civil depois de 21 anos de ditadura militar, período de trevas em que cinco generais se revezaram no Palácio do Planalto.

Cinco sem contar com o mandato-tampão da junta militar que deu um golpe dentro do golpe para impedir a posse do vice-presidente Pedro Aleixo, em agosto de 1969, quando um AVC tirou o general Costa e Silva da presidência.

Posse sob tensão, pois Sarney era vice-presidente. Tancredo Neves, o presidente, fora internado no dia anterior, e havia dúvidas jurídicas sobre quem deveria assumir o posto, se o vice ou o presidente da Câmara dos Deputados.

A tensão decorria do fato de que uma parte dos militares não aceitava o fim da ditadura. Além de menosprezarem o posto de vice, buscavam qualquer brecha para mais um golpe. E a não-posse da chapa escolhida pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985, seria uma possibilidade de desculpa para uma nova quartelada.

Nesse quadro explosivo, foi decisiva a posição do general Leônidas Pires Gonçalves, escolhido por Tancredo Neves para o posto de Ministro do Exército, ao se pronunciar internamente pela posse de Sarney. A tese foi apoiada por Ulisses Guimarães, então presidente da Câmara dos Deputados, e essa questão estratégica resolvida horas antes da solenidade.

A posse de José Sarney sacramentou a legitimidade da escolha no colégio eleitoral, impedindo o questionamento da chapa pelos militares (e civis) defensores da continuidade do regime autoritário. Tancredo Neves não sairia mais do hospital, onde morreu no dia 21 de abril de 1985, mas a continuidade do processo democrático estava assegurada.

Em 1986, o presidente Sarney e o ministro do Exército, General Leônidas, seriam alvos de uma tentativa de quebra de hierarquia militar, com uma “greve” organizada por um capitão carioca, que, depois de preso, negou o que tinha dito e, julgado, pediu para sair das forças armadas. O resto, nesse item particular, vocês sabem no que deu.