Alisson Barreto

A justiça privada e as eleições 2022

Alisson Barreto 16 de outubro de 2022
A justiça privada e as eleições 2022
A justiça privada e as eleições 2022 - Foto: Alisson Barreto

A justiça privada e as eleições 2022


Há pontos positivos e negativos nas concepções dos dois polos que disputam as eleições atuais, mas em que eles existiriam e, de repente, em que coincidiriam ou divergiriam? Em outras palavras, quais os motivos ou emoções que impulsionariam um eleitor por um ou outro lado da disputa presidencial?


Para abordar as indagações acima, propõe-se a averiguação da perspectiva do aspecto da justiça privada
, do exercício da autotutela civil
ou, doa-se com a palavra, vingança privada. Afinal, a humanidade demorou anos de sua história para superar a autotutela da justiça privada, em que a busca da justiça dependia da força de quem a procurava, para se chegar à tutela do Estado, com seu dever de garantidor de justiça social e da segurança jurídica.





À DIREITA.


Indo à perspectiva da direita, nota-se a bandeira do armamentismo, numa tentativa de angariar votos junto aos que, de um lado, incomodam-se com a impunidade e a existência da violência dos bandidos. Por outro lado, muitas vezes, o armamentismo abre espaço para uma horda de pessoas que têm anseio por fazer uso da violência e gostariam de autorização para portarem armas e imporem a força que acreditam ter. É a busca do aval do Estado para impor a lei do mais forte ou impor-se à lei como o mais forte.


O que isso oculta são anos de desenvolvimento social, que levaram a humanidade a sair da égide do império do mais forte para a ação do Estado para equilibrar a balança e garantir o direito do mais fraco. A aversão à intervenção do Estado pode ser uma camuflagem para ocultar a vontade de impor ao mais fraco os próprios anseios, uma vez que se estará afastando o poder do Estado de buscar garantir (ou o dever de o Estado garantir) o direito e a justiça. Ora, quando se fala de autotutela, se quem tem o direito é o mais forte ele consegue efetivar o usufruto do seu direito; entretanto, se quem está com o direito é o mais fraco, com sua própria força ele fica a assistir ao império da injustiça.


Portanto, um aspecto negativo da autotutela armamento-direitista é o desamparo do mais fraco, o menosprezo ao agir do bom samaritano, diante do império do super-homem de Nietzsche, ou seja, a seleção da lei do mais forte e a eliminação do mais fraco. Isso explica o desdém das mortes em uma pandemia junto com um grito para que o mais forte possa continuar seu trilho, ainda que isso signifique a eliminação do mais fraco. Explica ideologicamente, mas não justifica moralmente. Eis um motivo pelo qual muitos não apoiam a direita.





À ESQUERDA.


A aversão ao armamento do particular pode ocultar um anseio por defender a impunidade. Talvez não por não querer a justiça, mas por não conseguir lidar com a sanção aos que agem em desacordo com a lei: um medo do peso da sanção que acaba fomentando os desmandos contra o inocente cumpridor da legislação.


A autotutela muitas vezes se dá no império da lei do traficante ou do miliciano, casos em que as armas do traficante ou do miliciano impõem a força dos que as detêm, em face do cidadão simples que quer apenas salvaguardar seus direitos mínimos fundamentais. Ali, a não atuação do Estado para garantir o cumprimento da lei deixa o cidadão comum em situação de hipossuficiência em relação à força paraestatal do miliciano ou do traficante.


Por conseguinte, um aspecto negativo do desarmamento do cidadão cumpridor de leis é a subsistência armada do miliciano ou do traficante, que gera uma insegurança social marcada por uma geografia dividida entre regiões: (a) onde o Estado chega e (b) regiões à mercê de forças bélicas paraestatais. Além de, é claro, o cidadão simples ficar imerso na insegurança pública e no convívio com o dualismo da existência de regiões onde imperam a lei estatal ou a lei do crime. Eis um motivo pelo qual muitos não apoiam a esquerda.





EM FRENTE.


Para ir em frente, enfrente a realidade de que muitos têm seus motivos para votarem nas famigeradas esquerda ou direita das eleições. Alguns porquês são justos, outros injustos. E muitas vezes essas escolhas se dão em pessoas inebriadas por elevada carga emocional. Algumas vezes até motivados por indução religiosa, em coerção moral, afetiva ou até apocalíptica.


São temas delicados e que chegam até mesmo a causar repulsa a quem lê, por parte de quem sente sua opção política contestada. Não obstante, ao mesmo tempo, são cabíveis de serem apresentados, no intuito de provocar – em quem fez sua opção de voto – uma abertura para compreender que quem escolhe ser da chamada direita ou da dita esquerda pode ter um porquê ou uma história de vida que o(a) valide a apoiar a direita ou a esquerda.


Em outras palavras, uma pessoa manifestar apoio à esquerda ou à direita não significa que ela seja imbuída de mau-caratismo, como alguns energicamente acreditam e digladiam. É preciso dar-se ao trabalho de compreender o direito à liberdade de convicção das pessoas e, mais que isso, aprender a amar as pessoas por serem pessoas, não subordinando o respeito humano à concordância com sua escolha político ideológica.


Um país democrático se faz com respeito humano, o qual passa pelo respeito à liberdade de pensar e escolher, sem imposição de uma ideologia, em meio a uma multiplicidade de pensamentos ideológicos.


A concepção privada de justiça não pode ser uma imposição ideológica ao outro, quer seja ideologia direitista ou esquerdista. Um país onde se dizem prevalecer pessoas que acreditam nos valores cristãos não pode ignorar o valor do bom samaritano nem querer transformar a religião em um maquiavélico instrumento de manipulação eleitoral.


A construção de uma Nação cujo Deus é o Senhor tem que colocar Deus acima de tudo, não apenas de todos, o que implica que Deus estará acima de políticos e ideologias políticas; portanto, não será instrumento de manipulação de quem O segue. Quando Deus está abaixo de uma ideologia, Deus não é Deus, é um mero deus a servir de instrumento de poder a quem faz uso de seus seguidores. Mas quando se dá a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, abre-se espaço para a Nação, em vez de servir-se de um deus, servir a Deus.


Servir a Deus, neste momento, passa pelo respeito humano, pela capacidade de ir ao encontro do outro, respeitando-o como ser humano dotado de subjetividade e criado para receber o amor de Deus e amar.



Por fim, é preciso reaprender a amar, sem impor aos outros o próprio sentimento de justiça, mas permitindo que a justiça social – dever do Estado – tenha espaço. Assim, convém trocar a imposição da autotutela civil pela tutela do Estado, com respeito mútuo e contribuição à paz social. Isso, hoje, deve começar pela cooperação com a paz nas eleições.


Maceió, 16 de outubro de 2022.


Alisson Francisco Rodrigues Barreto