Enio Lins
UM CULTO À ESTUPIDEZ
A extrema-ignorância é a ideologia que assaltou o poder no Brasil desde a eleição presidencial de 2018. É de extrema-direita sim, mas a direita – até em seu segmento mais extremado – já teve, talvez ainda tenha nalgum lugar distante, intelectuais de razoável porte, capazes de formulações nem sempre fáceis de serem rebatidas. As teorias nazistas se amparam em interpretações próprias de partes extraídas aos pensamentos de Platão, Hegel, Hobbes, Nietsche e outras grandes mentes da cultura ocidental, descontextualizadas e manipuladas para embasar e justificar horrores como os de Hitler e Mussolini. O “darwinismo social”, por exemplo, é uma empulhação, mas é uma adulteração intelectual complexa que exigiu em sua formulação o estudo das teorias de Charles Darwin (inocente neste tipo de derivação teórica). Mas o que se encontra no bolsonarismo é uma colcha de retalhos de crenças direitistas variadas e atabalhoadas, que se fundem entusiasticamente numa ode à estupidez. E daí derivam para estupidezes específicas, às vezes contraditórias entre si, porém, todas cultivando o ódio e exercitando o negacionismo como leitmotiv.
O “motivo condutor” dos pensamentos ajuntados em torno do bolsonazismo é a negação da realidade e fuga para um mundo próprio onde toda teoria é mimimi. O Brasil caiu para a 13ª posição na economia mundial (quando na gestão petista chegou a ser a 6ª maior)? Essa turma responde na lata: “A economia do Brasil está bombando!!!”, “E o PT?”. O candidato deles está mal nas pesquisas, estacionado na faixa dos 30% de intenção de votos? A claque inventa uma “pesquisa” que “mostra” o capitão em primeiro lugar com 78%, e o gado muge de felicidade com a própria invencionice! Reportagem consubstanciada apresenta provas da aquisição pela familícia de 51 imóveis com dinheiro vivo? A vã filosofia não perde um segundo e vomita: “dinheiro vivo não é dinheiro em espécie!!”. Não temem o ridículo, nem mesmo tentam pentear a mentira cabeluda – disparam no ato. Mentem sem pejo como método para eliminar o próprio raciocínio e aplastar qualquer hipótese de debate inteligente.
Tempo houve que a direita produziu, ou ao menos leu, mentes brilhantes. O General Golbery foi um desses luminares, a quem (exageradamente) Glauber Rocha, em 1974, chamou de “gênio da raça”, comparando-o a Darcy Ribeiro. Roberto Campos foi intelectual múltiplo, competente em seu ramo, e polemista de fôlego sobre quaisquer temas; Mário Henrique Simonsen dividia o tempo entre economia liberal, xadrez, ópera e os melhores uísques. A Escola Superior de Guerra estudava a geopolítica, lucubrava sobre o Brasil-Potência, formulava teses. O bolsonarismo achatou, centralizou e amesquinhou os pensares da própria direita no pensar fecal de Olavo de Carvalho (in memoriam), um semianalfabetizado em todos os campos do conhecimento e que substituía o estudo e a pesquisa por palavrões e frase-feitas ao gosto do freguês.
O raciocínio olaviano divide o universo em duas bandas: “nós” (os próprios) e “eles” (os comunistas). Para o olavismo-bolsonazismo, uns estão à direita, e são “os bons e defendem o bem”; todos os demais estão à esquerda, são os maus e defendem o mal. O “comunismo” é definido numa generalização tosca, baseada nos padrões da guerra fria dos anos 50 e/ou dos exércitos brancos dos anos 20. Nessa miopia ideológica, estaria no “lado bom e do bem” quem defenda quaisquer asneiras contra o “lado mau e do mal”. Simples assim, mais ou menos como definia Maniqueu, pensador persa vivente entre os anos 216 e 276, o criador e difusor do maniqueísmo. É “preto x branco” (hoje em tradução “verdeamarelo x vermelho”), sem nuances nem tons intermediários. Para que ler os próprios clássicos conservadores? Estudar pra que pensadores antiesquerda como Milton Friedman, Adam Smith, Ludwig von Mises, ou mesmo Plínio Salgado? A direita bolsonarista se extrema nela mesma e, como numa desidratação radicalíssima das teses de Francis Fukuyama, têm certeza de que história acabou no bolsonazismo – e “vá tomar no c*” quem discordar.
Indigência intelectual equipada com armas de fogo, odeia as universidades, abomina o ensino em geral, prefere clubes de tiro às escolas, ama um pau-de-fogo e odeia os livros. Assim é o “mito” e seus mitômanos, mitômanas e mitômanes. Seria tragicômico, mas é maniqueísticamente apenas tragédia, e sem graça nenhuma.
Nazistas queimam livros em Berlim, anos 30
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.