Enio Lins

APOIS É GENOCIDA, SIM!

Enio Lins 03 de setembro de 2022

O engrunhido que ocupa a presidência da República sentiu dupla fisgada em sua alma sebosa quando a jornalista Vera Magalhães, no debate da Band, perguntou sobre as vacinas. Primeiro, uma mulher (argh!) lhe dirigiu palavra indesejada; segundo, questionou sobre a pandemia. O mito odeia mulher; e sabe o que fez na pandemia passada – que nem passou de todo ainda.

O falso messias teme as consequências de sua política pandemônica. O que Jair cometeu foi genocídio, crime de guerra viral. Encastelado na presidência, trabalhou escandalosamente para o vírus se espalhar. Armou-se com a tese da “imunidade de rebanho”, falácia pseudocientífica repudiada por cientistas no mundo inteiro, e boicotou sistematicamente todas as formas eficientes de enfrentamento ao Covid.

Discurso mais famoso foi o proferido em 19 de outubro de 2020, quando declarou que “a livre circulação” do novo coronavírus iria gerar “uma imunidade natural de rebanho pela ampla contaminação das pessoas” e anunciou que estava cancelando a aquisição da vacina Coronavac com o Instituto Butantan. Vacinas que enfim chegaram, justiça seja feita, graças a João Dória, governador de São Paulo, que aplicou por conta própria a primeira dose de Coronavac em 17 de janeiro de 2021, e obrigou o mito a correr atrás. As vacinas foram (são) o principal instrumento para deter a mortandade pelo Covid-19, em mais uma comprovação prática da eficiência vacinal como se sabia há mais de um século.

Jair auxiliou ao vírus não somente atrasando a compra e negando a eficácia das vacinas, mas foi igualmente homicida ao colocar “a economia” acima da vida. A primeira morte por Covid no Brasil foi em março de 2020, e no mesmo mês, o governo federal lançou a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, em oposição às medidas de isolamento social, afrontando a recomendação da Organização Mundial da Saúde (seguida com sucesso na Europa e Ásia). Atacou governos estaduais e prefeituras que ousaram colocar em prática, mesmo em versões parciais, essas orientações da OMS.

Até bolsonaristas históricos tentaram resistir, como Ronaldo Caiado, médico e governador de Goiás, aliado que se contrapôs publicamente ao homicida. Contrariado, Bozo demitiu sucessivamente dois ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta foi chutado em 16 de abril de 2020. Nelson Teich o substituiu no dia seguinte e ficou até 15 de maio, exonerado pelo mesmo motivo – desobedecer ao Mito e tentar reduzir as mortes. Foram dignos, deve-se reconhecer.

“Treinado para matar”, o general Pazzuello assumiu em 19 de maio de 2020 a tarefa de ajudar ao Covid-19, que já havia matado até ali 15,7 mil pessoas. Cumpriu sua missão, como ele mesmo disse em entrevista ao vivo, ao lado do seu comandante supremo: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Ficou 303 dias no ministério da Saúde, saiu em 23 de março de 2021, contabilizando 307,3 mil mortes por coronavírus e deixando tudo encaminhado para o Brasil alcançar a marca de meio milhão de óbitos pelo Covid, meta batida em 19 de junho de 2021, já sob a foice de Marcelo Queiroga.

Comensais da morte, reunidos em torno de seu Lorde Valdemorte – peço licença à Anitta, acrescentando dois “e” – tocaram o terror. Máscaras foram condenadas (o calhorda chegou a retirar em público a máscara de uma criança que tomara em suas patas, no dia 24 de junho de 2021, em evento no Rio Grande do Norte), o isolamento social sempre bombardeado. Remédios notoriamente ineficientes contra o Coronavírus (como vermífugos) foram endeusados e comprados aos milhões. Essas atitudes tiveram a cumplicidade de pessoas portadoras de diplomas médicos, o que é ainda mais degradante. A seita demoníaca descrita em Harry Potter, pela escritora britânica Joanne Rowling, não era tão mortal, nem tão covarde.

A CPI da Covid, mais importante Comissão Parlamentar de Inquérito em pelo menos um século, não se circunscreveu às lutas políticas de ocasião, como os impeachments. Reuniu indícios importantes para os processos penais cabíveis, apesar da tremenda sabotagem da bancada bolsonazista. Seu histórico relatório, entretanto, foi engavetado numa canetada só pela Escondedoria Geral da República.

O Tribunal Permanente dos Povos condenou o Mito por Crime contra a Humanidade, num veredicto simbólico. Funciona como desmoralização internacional, mas é chover na lama, dado o falso messias ser desmoralizado mundialmente desde sempre. Porém, essa pena emblemática estimula uma pergunta óbvia: Se bolsonaristas homicidas, covardes, como Dr. Jairinho e a Pastora Flordelis estão na cadeia, como se explica a liberdade de Jair Messias e seus comensais da morte?

Sepulturas abertas em um cemitério paulista para receber vítimas da Covid-19, publicada pela Revista Piauí em 3 de junho de 2020.(Foto de Paulo Lopes/BW Press/Estadão)