Enio Lins

Feminicídio como alvo

Enio Lins 26 de julho de 2022

Otelo, o mouro de Veneza, peça escrita por Shakespeare em 1603, conta o assassinato de Desdêmona por seu marido, o herói militar Otelo, motivado pela intriga, preconceito e ciúme, sentimento este manipulado por Iago, personagem maléfico e ardiloso.

Shakespeare detona o feminicídio, apesar dessa palavra só ter aparecido no século XIX. A trama mostra um marido, transtornado pela ideia da traição de sua esposa, matando-a e se suicidando. A questão central, colocada há 419 anos, é o horror de uma mulher ser assassinada por seu companheiro, e a inocência da personagem eterniza a injustiça mais profunda.

A peça provoca reflexões tragicamente atuais: Se a traição tivesse acontecido, o marido estaria certo em matar a esposa? O suicídio do assassino o redime do assassinato? A discriminação sofrida pelo criminoso é atenuante para o crime?

Não, não e não – são as respostas. O feminicídio não pode ser atenuado, nem perdoado, pois é um tipo de violência amparada em um mito milenar covarde, assassino, que é a base do machismo: O homem seria o proprietário da mulher; ela seria uma coisa, ele é um ser. Ele, o senhor, teria o direito de punir ela, sua serva.

A mulher como serva é conceito praticado desde o fim do período das sociedades matricêntricas (antes chamadas de matriarcais). Desde que se tem notícias do patriarcado, a posição feminina é a de dominada e textos como a Bíblia e o Corão, e suas interpretações fundamentalistas, sugerem a pena capital, como a lapidação, para mulheres consideradas pecadoras.

Nos dias em curso, essa velha concepção criminosa está turbinada por entendimentos do tipo “armas para um homem de bem”; um “pai de família” teria o direito de se defender à bala do que considere uma agressão; o macho tem de se impor e “arma é liberdade”.

Os conceitos “Mulher de bem” e “Mãe de família” não se aplicam como sinônimos femininos desses termos masculinos e suas traduções se resumem à infame noção “do lar”. Na filosofia patriarcal a “mulher de bem” deveria se ater à sua condição de propriedade e reprodutora do “homem de bem”. Feminicídio é mimimi para quem acredita na “família tradicional” liderada pelo macho provedor.

Deter o feminicídio é questão prioritária, literalmente vital, pois esse instinto assassino no Brasil contemporâneo encontra o caldo de cultura – machista, misógino, belicoso – ideal para se proliferar.

NOTAS

Na semana passada, três feminicídios chamaram a atenção em Alagoas e a classe média sentiu a dor mais perto.
Um ato público em defesa da vida das mulheres está marcado para esta sexta-feira, dia 29, às 15 horas, na Praça Deodoro.

# O prefeito Cacau, de Marechal Deodoro, ajusta os derradeiros detalhes para a agenda comemorativa pelo aniversário da cidade na primeira semana de agosto.

# A programação deodorense vai se estender por vários dias, com assinaturas de ordens de serviço, inaugurações e, como não poderia deixar de ser, muita banda de música pelas ruas.

# C1ícero Filho, pré-candidato à deputado estadual, comemora o sucesso do lançamento de sua pré-candidatura.
Na mesma toada, Rafael Brito teve sua candidatura a deputado federal lançada em grande estilo, com casa lotada.

# Mas a barra não está nada fácil para os novos nomes lançados à Câmara Federal ou Assembleia Legislativa.

# Collor, aparentemente, não está avançando na conquista de um nome bolsominon-raiz para compor sua chapa e isso é um problema para ampliar a adesão do fã-clube do ex-capitão.

# Sem um nome que possa ser reconhecido como radicalmente bolsominion, as tropas do Jair não marcharão coesas às urnas por uma candidatura ao governo de Alagoas.

HOJE NA HISTÓRIA

João Pessoa, Anayde Beirz e João Dantas



26 DE JULHO DE 1930
– João Pessoa é assassinado. Era governador da Paraíba e candidato a vice-presidente da República na chapa de Getúlio Vargas, derrotados por Júlio Prestes e Vital Soares em março. Além do Brasil estar à beira de uma guerra civil, na Paraíba os atritos já haviam passado dos limites e uma parte do Estado havia se declarado independente. Nessa confusão toda, a polícia invadiu a casa de um opositor, João Dantas, e furtou cartas íntimas dele para a namorada Anayde Beiriz. Essas cartas, sensuais, foram publicadas num jornal de propriedade do governador, causando tremendo escândalo. Para vingar a desfeita pessoal, Dantas atirou em Pessoa. Essa morte virou estopim político e possibilitou a Getúlio Vargas usar o assassinato (passional) de seu vice como a gota d’água para tomar o poder na marra, no dia 3 de outubro. Três dias depois, João Dantas e um primo, Moreira Caldas, foram suicidados por degola enquanto estavam presos no Recife. Um médico alagoano, Luís de Góis, figura como suspeito de ter participado desse duplo suicídio terceirizado. Anayde teria se suicidado, por veneno, em 22 de outubro.