Jurídico com Alberto Fragoso

A exigência constitucional de publicidade e transparência nos atos estatais

Jurídico com Alberto Fragoso 07 de maio de 2022
A exigência constitucional de publicidade e transparência nos atos estatais
Ilustração - Foto: Ilustração

Um dos pilares sustentadores do regime democrático e republicano constitui-se na garantia indistinta de todos os cidadãos em ter, positivamente, informações de interesse geral, compostas sob o ditame constitucional da publicidade e transparência dos atos e negócios da Administração Pública.

A tendência atual de constitucionalização do Direito Administrativo e a notória vertente de desapego à letra seca da legislação estão desencadeando um processo natural de desvinculação à excessiva rigidez normativa. Exige-se o atendimento ampliativo à concepção do Direito e não apenas ao enunciado legal, isoladamente. No evidente estágio de pós-positivismo – em que não apenas é suficiente a mera subsunção dos fatos aos comandos insertos na lei – a materialização do aquilo que é justo, equânime e razoável começa a prevalecer na atividade de interpretação e aplicação legal.

E, justamente, nesta esteira de raciocínio, pode-se perceber, de maneira bastante clara, o propósito da Constituição Cidadã ao reconhecer a informação como direito fundamental do cidadão e dever irrefutável do Estado (inciso XXXIII, XXXIV e LXXII, do art. 5º, da CF). Na intelecção dos dizeres inseridos no texto na Carta Política pátria, são de fácil detecção os fundamentos pelos quais se assenta a relação entre o povo (os mandantes originários do poder) e a figura do Estado quando se trata de direito à informação.

Diante dos modernos postulados constitucionais que servem de pedra angular para a construção dos valores axiológicos que hoje prevalecem, não há mais como prevalecer a ideia de que determinados atos editados pela Administração Pública possam estar livres e invulneráveis ao efetivo controle externo e à participação popular da sociedade.

É, neste ponto, que aparecem a publicidade e, mais abrangentemente, a transparência como ditames orientadores na consolidação da boa gestão administrativa à medida que proporciona aos cidadãos instrumentos legítimos de acompanhamento e fiscalização dos atos públicos, notadamente em se tratando de destinação e aplicação dos recursos financeiros com a participação popular nas gestões administrativas e fiscais e nos processos de planejamento e elaboração e discussão das leis orçamentárias (inciso XII, do art. 29, da CF).

Estes conceitos estão espalhados por todo o sistema legal (§ 3º, do art. 31, § 6º, do art. 165, da CF, Lei Complementar nº. 101/2000, Lei nº. 9.784/99 e Lei nº. 11.111/2005) e se caracterizam como um direito subjetivo fundamental que municia o cidadão a cobrar por habitual prestação de contas, e por economicidade e eficiência das ações estatais, sendo daí decorrência direta da conquista democrática até então adquirida e da necessidade de promover-se amplo e desembaraçado acesso à informação como requisito primordial de controle estatal. 

A Administração Pública tutela direitos coletivos ou gerais e, por conta disto, não se justifica o eventual sigilo ou obscuridade nas informações de que se dispõe, excetuando-se aqueles casos em que a própria lei as põe a salvo (que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária de informações – parágrafo único, da art. 1º, da Lei nº. 9.507/97).

Desse modo, os assuntos públicos não podem ser construídos sob manto transcendental ou inalcançável, tendo sido outorgado pela Constituição Federal, por isto, tratamento privilegiado às hipóteses credenciadoras à incursão de dados e informações de natureza pública. O Estado de Exceção é conjuntura pretérita a qual não traz boas lembranças, certamente. Os conteúdos públicos merecem, pois, absoluta publicidade e, mais além, transparência como forma de rechaçar desrespeitos a direitos e garantias fundamentais – e toda a sorte de arbitrariedades e devaneios –, funcionando, ao mesmo tempo, como ferramenta legítima de participação coletiva na gestão estatal administrativa e fiscal.

O contemporâneo espírito de controle dos atos estatais pressupõe não tão-somente a publicidade ou, pelo menos, o efeito de se tornar público. A constitucionalização do Direito Administrativo colima, inquestionavelmente, a verdadeira função de publicizar com detalhamento, precisão, clareza e simplicidade o conteúdo essencial do ato a ser produzido, penetrando-se, ainda, na análise da finalidade e dos motivos então suscitados. Noutras palavras, ter transparência é permitir, de modo cristalino e manifesto, visualizar e examinar, de maneira teleológica – e em homenagem à cidadania (inciso II, do art. 1º, da CF) –, a consecução do interesse público, sob aspectos de legalidade, moralidade, probidade, economicidade, eficiência e segurança jurídica, analisados sistematicamente.

A mudança das regras intangíveis começa a ser percebida no país. A sociedade se organiza e, mais consciente, postula gestões probas e imparciais, revestidas pelo autêntico compromisso com responsabilidade e incolumidade da Coisa Pública, sobretudo na fiscalização e controle dos gastos dos recursos e sua escorreita destinação. Estas cobranças são recompensadas por ações dos próprios entes governamentais (Portais da Transparência são bons exemplos) e pelo maior espectro de atuação dos órgãos de controle externo, como se vê no papel institucional exercido pelos Tribunais de e os Ministérios Públicos pelo Brasil afora.

O gestor público deve promover seu munus, sendo o interesse coletivo o ponto direcionador de conduta. A preocupação com a publicidade e devida transparência – requisitos essenciais – é, portanto, parâmetro de aferição de quão o ato público terá legitimidade e juridicidade, permitindo-se qualquer do povo, por sua vez, exercer o direito à fiscalização do que é naturalmente seu.