Jurídico com Alberto Fragoso
Culpa da operadora de telefonia não enseja o pagamento de multa na rescisão antecipada
A cobrança de multa pelo cancelamento antecipado de serviços contratados constitui, nos dias de hoje, prática bastante desrespeitosa, adotada, indiscriminadamente, pelas operadoras de telefonia no país. Consumidores insatisfeitos pela forma defeituosa e habitual por que são prestados os serviços acabam manifestando o interesse de não mais haver relação contratual – o que é óbvio –, ensejando a aplicação de multa pela rescisão dentro do prazo de fidelização.
Todavia, a exigência do pagamento de multas (tecnicamente denominadas de cláusulas penais) é incompatível com a essência do espírito protecionista abarcada pela legislação. As relações de consumo, atualmente, são complexas e implicam a análise sistemática e finalística das autênticas intenções do Direito.
Os consumidores dispõem de acervo legal que lhes outorgam prerrogativas especiais, vez que a igualdade de condições (jurídicas e/ou econômicas), consubstanciada pelo anseio da preponderância da equivalência material em detrimento da clássica concepção de autonomia da vontade das partes, afasta-se para bem longe da realidade fatídica dos liames constituídos com os fornecedores de bens e serviços neste país.
Não são raros os relatos de consumidores que passam horas a fio, tentando solucionar “problemas técnicos”, muitas vezes criados pelas próprias operadoras de telefonia, sem repostas rápidas, contundentes e práticas a respeito, isso sem falar da (pouca) informação, quando repassada, sem clareza e precisão. O descaso é a regra. E o pior é que também as entidades instituídas regimentalmente para a fiscalização vendam os olhos – a Anatel é um bom exemplo, evidenciando que a indiferença, que se banaliza, está legitimada até mesmo pela figura do Estado. Mais que isso: esta ferida (incurável) é produto da própria consciência coletiva, formatada pela história e mantida por um país que prega o desenvolvimentismo apenas no plano plantônico.
No trato negocial, resta o consumidor de mãos atadas, especialmente pelos caracteres do contrato celebrado (contratos de adesão), forçando-os a se socorrer de outros meios para satisfazer seus interesses, desmantelados pela frustração, cansaço e impotência diante dos percalços exsurgidos da má prestação dos serviços. E estes prejuízos são incalculáveis pelo intenso abalo psicológico decorrente da indefinição dada ao entrave e, mais além, da aplicação desleal de cláusulas contratuais que alocam os consumidores a meros coadjuvantes na cadeia produtiva.
A lógica é simples: se a operadora de telefonia dá ensejo à rescisão do contrato (por exemplo, falta de manejo na resolução dos problemas apresentados, não fornecimento das informações desejadas, inclusão de serviços não contratados na futura, etc), não é exigível ao consumidor o pagamento de qualquer quantia a título de multa no caso de rescisão antecipada do contrato.
Isto porque é inconcebível aceitar que o contratante, insatisfeito, ainda tenha que arcar com consequências às quais não deu ensejo, absolvendo, numa via lógica inversa, o defeito do serviço, o que, de fato, seria um absurdo. Aplica-se, com suas adequações, na hipótese, a cláusula geral do Direito que os civilistas denominam de “exceptio non adimpleti contractus” ou exceção do contrato não cumprido, que significa que um contratante não está obrigado a cumprir a sua obrigação se o outro não tiver cumprido a sua (art. 476, do Código Civil). Assim, não é legítimo obrigar o consumidor ao pagamento de uma multa se a própria operadora não faz a sua parte na prestação de um serviço de qualidade.
Em todo o caso, como se trata de contratos de adesão – aqueles em que o consumidor não participa ativamente na formulação de suas regras, as operadoras se limitam a aplicar seus regulamentos, sem distinguir as situações favoráveis aos contratantes e é, nesse ponto, que se gera o abuso de direito por violação à boa-fé objetiva contratual.
A este respeito, os Tribunais do país se posicionam pela inexigibilidade da multa quando verificado que a rescisão se deu por culpa exclusiva das operadoras (serviço defeituoso, sobretudo quando reiterado), conforme se pode observar no julgado abaixo transcrito:
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES - SERVIÇOS DE TELEFONIA - PESSOA JURÍDICA - RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA - APLICAÇÃO NORMAS CDC - CONTRATO COM ASSINATURA FALSIFICADA - AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTENTICIDADE - ÔNUS DA EMPRESA APELANTE - ARTIGO 373, I E 429, II DO CPC - CLÁUSULA CONTRATUAL COM PREVISÃO DE FIDELIDADE SUPERIOR À 12 MESES - ILEGALIDADE - CONTRARIEDADE ÀS NORMAS DA ANATEL - IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE MULTA POR RESCISÃO ANTECIPADA - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - MÁ-FÉ CONFIGURADA - RESTITUIÇÃO EM DOBRO DEVIDA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Na hipótese dos autos incidem as regras e princípios do Código de Defesa do Consumidor - CDC, eis que a empresa requerida/apelante se enquadra na conceituação de fornecedor de serviços e a autora/apelada se amolda à figura do consumidor, como destinatário final, conforme preceituam os artigos 2.º e 3.º do aludido diploma legal. Diante das falhas na prestação dos serviços, com diversas reclamações, sem nenhuma resolução ou melhoria, consubstanciou-se justificada a portabilidade dos contratos para outra operadora de telefonia e que a culpa pela rescisão contratual deve ser atribuída à empresa apelante. Recurso conhecido e improvido”. (BRASIL. TJMS. 1ª Câmara Cível. AC08082140420188120002. Des. Rel. Luiz Antônio Cavassa de Almeida. Data do Julgamento 25.03.2020. DJe 27.03.2020)
Ademais, o Col. STJ mantém entendimento de que o descaso com o consumidor enseja o dever de indenizar, sem a necessidade de demonstração de culpa, especialmente nas situações em que as empresas prestam o serviço de forma deficiente (REsp 304.738/SP).
A cláusula que estabelece a obrigação do pagamento de multa pelo consumidor deve ser dirimida e afastada porque abusiva, não devendo ser aplicada, indistintamente, em todas as situações de rescisão contratual antecipada. Ao revés, se o inadimplemento contratual se perfez por comportamento culposo da operadora, tornando o serviço contratado não mais oportuno, dado o seu defeito, não há como impor ao consumidor – que é aquele que paga pelo serviço e que dá lucro à entidade empresarial – o cumprimento da obrigação acessória prevista em cláusula penal.
Portanto, o consumidor não há de se esmorecer. Faça as contestações junto à operadora de telefonia, recolhendo os números de protocolo e, caso não seja declarada a procedência da reclamação, ajuíze demanda para ser restituído (em dobro) do valor pago indevidamente, além da compensação financeira pelos danos morais.
Jurídico com Alberto Fragoso
Sobre
Graduado na Universidade Federal de Alagoas. Especialista em Gestão Pública e Direito Público. Membro efetivo do Instituto de Direito Administrativo de Alagoas. Advogado nas áreas do Direito Administrativo, Cível e Consumidor.