Jurídico com Alberto Fragoso

Culpa da operadora de telefonia não enseja o pagamento de multa na rescisão antecipada

Jurídico com Alberto Fragoso 20 de abril de 2022
Culpa da operadora de telefonia não enseja o pagamento de multa na rescisão antecipada
Ilustração - Foto: Ilustração

A cobrança de multa pelo cancelamento antecipado de serviços contratados constitui, nos dias de hoje, prática bastante desrespeitosa, adotada, indiscriminadamente, pelas operadoras de telefonia no país. Consumidores insatisfeitos pela forma defeituosa e habitual por que são prestados os serviços acabam manifestando o interesse de não mais haver relação contratual – o que é óbvio –, ensejando a aplicação de multa pela rescisão dentro do prazo de fidelização.

Todavia, a exigência do pagamento de multas (tecnicamente denominadas de cláusulas penais) é incompatível com a essência do espírito protecionista abarcada pela legislação. As relações de consumo, atualmente, são complexas e implicam a análise sistemática e finalística das autênticas intenções do Direito.

Os consumidores dispõem de acervo legal que lhes outorgam prerrogativas especiais, vez que a igualdade de condições (jurídicas e/ou econômicas), consubstanciada pelo anseio da preponderância da equivalência material em detrimento da clássica concepção de autonomia da vontade das partes, afasta-se para bem longe da realidade fatídica dos liames constituídos com os fornecedores de bens e serviços neste país.

Não são raros os relatos de consumidores que passam horas a fio, tentando solucionar “problemas técnicos”, muitas vezes criados pelas próprias operadoras de telefonia, sem repostas rápidas, contundentes e práticas a respeito, isso sem falar da (pouca) informação, quando repassada, sem clareza e precisão. O descaso é a regra. E o pior é que também as entidades instituídas regimentalmente para a fiscalização vendam os olhos – a Anatel é um bom exemplo, evidenciando que a indiferença, que se banaliza, está legitimada até mesmo pela figura do Estado. Mais que isso: esta ferida (incurável) é produto da própria consciência coletiva, formatada pela história e mantida por um país que prega o desenvolvimentismo apenas no plano plantônico.

No trato negocial, resta o consumidor de mãos atadas, especialmente pelos caracteres do contrato celebrado (contratos de adesão), forçando-os a se socorrer de outros meios para satisfazer seus interesses, desmantelados pela frustração, cansaço e impotência diante dos percalços exsurgidos da má prestação dos serviços. E estes prejuízos são incalculáveis pelo intenso abalo psicológico decorrente da indefinição dada ao entrave e, mais além, da aplicação desleal de cláusulas contratuais que alocam os consumidores a meros coadjuvantes na cadeia produtiva.

A lógica é simples: se a operadora de telefonia dá ensejo à rescisão do contrato (por exemplo, falta de manejo na resolução dos problemas apresentados, não fornecimento das informações desejadas, inclusão de serviços não contratados na futura, etc), não é exigível ao consumidor o pagamento de qualquer quantia a título de multa no caso de rescisão antecipada do contrato.

Isto porque é inconcebível aceitar que o contratante, insatisfeito, ainda tenha que arcar com consequências às quais não deu ensejo, absolvendo, numa via lógica inversa, o defeito do serviço, o que, de fato, seria um absurdo. Aplica-se, com suas adequações, na hipótese, a cláusula geral do Direito que os civilistas denominam de “exceptio non adimpleti contractus” ou exceção do contrato não cumprido, que significa que um contratante não está obrigado a cumprir a sua obrigação se o outro não tiver cumprido a sua (art. 476, do Código Civil). Assim, não é legítimo obrigar o consumidor ao pagamento de uma multa se a própria operadora não faz a sua parte na prestação de um serviço de qualidade.

Em todo o caso, como se trata de contratos de adesão – aqueles em que o consumidor não participa ativamente na formulação de suas regras, as operadoras se limitam a aplicar seus regulamentos, sem distinguir as situações favoráveis aos contratantes e é, nesse ponto, que se gera o abuso de direito por violação à boa-fé objetiva contratual.

A este respeito, os Tribunais do país se posicionam pela inexigibilidade da multa quando verificado que a rescisão se deu por culpa exclusiva das operadoras (serviço defeituoso, sobretudo quando reiterado), conforme se pode observar no julgado abaixo transcrito:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES - SERVIÇOS DE TELEFONIA - PESSOA JURÍDICA - RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA - APLICAÇÃO NORMAS CDC - CONTRATO COM ASSINATURA FALSIFICADA - AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTENTICIDADE - ÔNUS DA EMPRESA APELANTE - ARTIGO 373, I E 429, II DO CPC - CLÁUSULA CONTRATUAL COM PREVISÃO DE FIDELIDADE SUPERIOR À 12 MESES - ILEGALIDADE - CONTRARIEDADE ÀS NORMAS DA ANATEL - IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE MULTA POR RESCISÃO ANTECIPADA - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - MÁ-FÉ CONFIGURADA - RESTITUIÇÃO EM DOBRO DEVIDA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Na hipótese dos autos incidem as regras e princípios do Código de Defesa do Consumidor - CDC, eis que a empresa requerida/apelante se enquadra na conceituação de fornecedor de serviços e a autora/apelada se amolda à figura do consumidor, como destinatário final, conforme preceituam os artigos 2.º e 3.º do aludido diploma legal. Diante das falhas na prestação dos serviços, com diversas reclamações, sem nenhuma resolução ou melhoria, consubstanciou-se justificada a portabilidade dos contratos para outra operadora de telefonia e que a culpa pela rescisão contratual deve ser atribuída à empresa apelante. Recurso conhecido e improvido”. (BRASIL. TJMS. 1ª Câmara Cível. AC08082140420188120002. Des. Rel. Luiz Antônio Cavassa de Almeida. Data do Julgamento 25.03.2020. DJe 27.03.2020)

Ademais, o Col. STJ mantém entendimento de que o descaso com o consumidor enseja o dever de indenizar, sem a necessidade de demonstração de culpa, especialmente nas situações em que as empresas prestam o serviço de forma deficiente (REsp 304.738/SP).

A cláusula que estabelece a obrigação do pagamento de multa pelo consumidor deve ser dirimida e afastada porque abusiva, não devendo ser aplicada, indistintamente, em todas as situações de rescisão contratual antecipada. Ao revés, se o inadimplemento contratual se perfez por comportamento culposo da operadora, tornando o serviço contratado não mais oportuno, dado o seu defeito, não há como impor ao consumidor – que é aquele que paga pelo serviço e que dá lucro à entidade empresarial – o cumprimento da obrigação acessória prevista em cláusula penal.

Portanto, o consumidor não há de se esmorecer. Faça as contestações junto à operadora de telefonia, recolhendo os números de protocolo e, caso não seja declarada a procedência da reclamação, ajuíze demanda para ser restituído (em dobro) do valor pago indevidamente, além da compensação financeira pelos danos morais.