Jurídico com Alberto Fragoso

Os danos pela suspensão de cartão de crédito sem prévio aviso

Jurídico com Alberto Fragoso 25 de novembro de 2021
Os danos pela suspensão de cartão de crédito sem prévio aviso
Reprodução - Foto: Assessoria

Mais uma prática percebida que incomoda os consumidores é a suspensão unilateral e sem prévio aviso de serviços de cartão de crédito. Com o ato praticado pelas instituições financeiras que operam este tipo de atividade, o contratante do serviço é, muitas vezes, pego de surpresa e, o pior, no ato da compra em uma fragrante exposição.

Os consumidores são surpreendidos, sem o mínimo de respeito e previsibilidade, pela notícia (dada nos balcões de pagamento) do cancelamento de seus cartões de crédito apesar de cumpridas todas as obrigações contratuais e efetuado o pagamento das respectivas faturas. Aí, o descontentamento e o mal-estar dão lugar a uma via crucis na busca por informações e solução pontual dos fornecedores que, ao contrário do cumprimento dos encargos determinados na forma da lei, limitam-se a prestar subsídios imprecisos e sem a adequação necessária pretendida pela legislação (inciso III, do art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor).

A conduta é mais comum do que se imagina, reservando ao consumidor uma posição de excessiva desvantagem, sobretudo pela expectativa, em sua consciência, da continuidade do uso do serviço – retirado de maneira abrupta e sem observância da obrigatoriedade da boa-fé e da segurança jurídica na execução dos contratos desta natureza pelas operadoras de cartão de crédito.

A supremacia econômica desta espécie de fornecedores parece dar a impressão de que a eles tudo se pode. Os consumidores são meras peças que movimentam essa atividade absurdamente lucrativa. Por isso, o CDC perquire, com todo o fundamento, a manutenção e, quando for o caso, o restabelecimento da equivalência material das partes mesmo que cingida ao aspecto jurídico.

Veja, leitor, ao impedir, de modo ilegítimo e desarrazoado, o uso normal de um direito concedido voluntariamente (uso do serviço nos limites de crédito assegurados por mera liberalidade dos fornecedores), é gerada, sem dúvidas, frustração ao consumidor, vez que quebrada da certeza, segurança e planejamento no que se diz respeito à utilização do cartão de crédito contratado.

Quanto a isto, os Tribunais (STJ, Resp nº. 866.359) já assentaram o entendimento de que as operadoras de cartão de crédito, nestas hipóteses, respondem pelo fato do serviço, ficando obrigadas a indenizar independentemente de culpa (in re ipsa), já que o dano decorre do fato em si, sendo desnecessária comprovação do abalo ou dor de natureza psicológica ou moral. É suficiente, para o dever de indenizar, a demonstração da conexão entre o ato lesivo (cancelamento unilateral e sem prévio aviso) e o resultado (impossibilidade do uso do cartão), segundo, inclusive, o que dispõe o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor.

O que mais espanta é que, nestes casos, inexiste descumprimento dos consumidores quanto aos termos do contrato celebrado apto a propiciar a rescisão contratual com o cancelamento unilateral, indevido e sem prévio aviso (falta de pagamento, por exemplo) nem lesão cometida na fruição do serviço (fraude, por exemplo), ficando evidenciado que a suspensão do serviço se perpetra com intuitos meramente patrimoniais. O usuário do serviço passa a não ser mais útil e conveniente às operações desenvolvidas pela instituição financeira, sendo descartado simplesmente como algo imprestável ou inservível.

As exclusões impostas pelas operadoras de cartão de crédito, ao restringir totalmente a utilização de um serviço devidamente contratado, desobedece à legislação aplicável por trazer visível desequilíbrio a relação contratual, além de reservar ao alvedrio exclusivo dos fornecedores quanto às alterações a serem promovida no bojo do contrato.

E isto ofende ao CDC que considera abusivas práticas contratuais no fornecimento de serviços que restrinjam direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar o objeto ou o equilíbrio contratual (inciso II, § 1º, do art. 51, do CDC). Tal entendimento, aliás, é referendado por diversos precedentes jurisprudenciais, a exemplo do julgamento abaixo transcrito:

“JUIZADO ESPECIAL. CONSUMIDOR. SERVIÇOS BANCÁRIOS. BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO CORRENTISTA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. ARTIGO 14 DO CDC. DANO MORAL CONFIGURADO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE NA INDENIZAÇÃO FIXADA. 1. O bloqueio do cartão de crédito sem a devida comunicação ao consumidor caracteriza falha do serviço bancário, violando o dever de prestar informação clara e adequada ao consumidor e, inclusive, o de alertá-lo sobre o referido bloqueio. O autor comprovou o bloqueio do cartão de crédito por meio dos vídeos acostados (IDs 1267874, 1267876, 1267878), que demonstram terem sido feitas tentativas de utilização em máquinas, dias e horários diferentes, todas sem êxito. 2. O réu/recorrente não se desincumbiu do ônus de demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor/recorrido, porquanto não comprova ter havido comunicação prévia do bloqueio dos cartões de crédito. O documento de ID. 1267897 refere-se à tela do banco para consulta e não comprova envio de correspondência ao autor. A responsabilidade do recorrente é objetiva, na forma do artigo 14 do CDC e a falha constitui fortuito interno, de risco inerente à atividade comercial da instituição bancária fornecedora. 3. Os critérios considerados pela MM. Juíza, ao fixar o valor da indenização por danos morais no patamar de R$ 3.000,00 (três mil reais), encontra-se dentro dos padrões da razoabilidade e proporcionalidade. O referido valor foi fixado em consideração à extensão do dano e à capacidade das partes, além de manter o condão de inibição da prática ilícita por parte da ré (punitive damage), reiteradamente demandada nos Juizados Especiais pelas condutas ora reportadas (falha na prestação de serviço de instituições financeiras). Anoto, ainda, que o valor fixado não é apto a gerar o enriquecimento da recorrida, nem o empobrecimento da empresa recorrente, razão pela qual não merece reforma. 4. Recurso CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Sentença mantida pelos seus bem colocados fundamentos. Condeno o recorrente ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar os honorários advocatícios, ante a ausência de contrarrazões.  5. A ementa servirá de acórdão, conforme artigo 46 da Lei 9.099/95”. (BRASIL. TJDFT. 1ª Turma Recursal. RI nº. 0726958-06.2019.8.07.0016. Data do julgamento 11.05.2017. DJe 23.05.2017).

No caso do leitor está experimentando esses dissabores, o Procon, como órgão especializado na defesa dos interesses e direitos dos consumidores, é uma sanativa saída, por via administrativa, para a resolução do problema. Os Juizados Especiais também são outra medida para forçar o restabelecimento do serviço suspenso pela rescisão unilateral do contrato, sem prejuízo da eventual reparação civil pelos danos morais sofridos.