Gerônimo Vicente

O sonambulismo do país, por cinco anos, no "picadeiro" de mau gosto jurídico

Gerônimo Vicente 25 de abril de 2021
O sonambulismo do país, por cinco anos, no 'picadeiro' de mau gosto jurídico
Reprodução - Foto: Assessoria
 No  início dos anos 2000, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sentenciou que  os índices dos planos econômicos da década de 1980, como Bresser, URPs e Plano Collor deveriam corrigir  todas as cadernetas de poupança ativas naquela época. Na ocasião, uma Associação de Consumidores, instalada no Paraná, começou a recolher ações de poupadores do período. Lembrei-me de que  poupava  uns trocados naquela oportunidade e ingressei com uma ação judicial reivindicando a correção. A entidade representativa  abriu a reclamação na justiça federal de Brasília, na qual estavam incluídos todos os consumidores listados, inclusive meu nome. Em menos de um ano, saiu a sentença judicial que alegava que o fórum pelo qual eu havia ingressado com a ação era fora da jurisdição legal, ou seja, eu morava em Maceió e não poderia  recorrer à primeira instância em Brasília para pleitear uma questão judicial.  A ação foi arquivada. Na semana passada, esse mesmo tipo de questionamento, tão evidente e com regra  basilar no  Judiciário brasileiro foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em favor do ex-presidente Lula, depois de cinco anos entre idas e vindas na 13ª Vara Federal, TRF4, STJ e, finalmente o Supremo, esse último depois de manter guardada a solicitação da defesa, por dois anos. Com base neste meu exemplo, sempre coloquei em dúvida, embora não seja advogado,  o procedimento da Vara Federal sob o comando do então juiz Sérgio Moro. Como poderia  um processo (caso Triplex de Guarujá) que começou no Ministério Público de São Paulo, chegou ao tribunal de justiça daquele Estado, isso porque Lula não era mais presidente, transformar-se uma ação federal e, ainda por cima, em vez de estar na justiça federal de São Paulo ser enviado, diretamente à Curitiba?   Mais intrigante ainda é a  sentença contra o ex-presidente e nela,  o juiz Sérgio Moro, talvez sem evidências claras, não faz referências à corrupção na Petrobras no caso do Triplex, porém alega estar tomando a decisão convicto do recebimento de propina por parte do réu. Esse é um outro fator que não justificaria mais a tramitação da denúncia no âmbito da justiça federal. Mas a ação prosseguiu normalmente, apesar da clara aberração jurídica e o ex-presidente Lula  ficou preso por 580 dias como se não fossem percebidas  irregularidades judiciais.  O processo encerrado na semana passada que transformou um herói em vilão deixou rastros de destruição da  vida política e socioeconômica do Brasil. Em nomes de privilégios pessoais ou corporativos, categorias abastadas apostaram no caos para manter suas benesses e,  como resultado,  todos nós estamos na mesma vala comum, ainda mais abertas com a chegada da pandemia no país, como epicentro do mundo. Durante esses cinco anos, vimos cenas tanto trágicas como cômicas nesse "picadeiro" de mau gosto armado pela mídia tradicional, mercado financeiro e econômico, parte do judiciário e pelas próprias instituições públicas transformadas em palco de interesses partidários. Assistimos a episódios cômicos e de baixo conceito, como o cantarolar da canção “Amada Amante”, de Roberto Carlos,  pela doleira Nelma Kodama  que arrancou risadas no Congresso Nacional ao ser citada como amante de um outro doleiro envolvido  na corrupção contra a Petrobras, como os ratos que alguém  soltou durante a sessão da Câmara dos Deputados em homenagem à Operação Lava Jato ou, como  o caso do lanterneiro preso por engano, por ser homônimo de um dos doleiros acusados, ser ouvido pelo juiz de Curitiba sem ter a mínima noção do motivo pelo qual estava prestando depoimento.  Contudo, não esqueçamos que esse consórcio de interesses provocou a  tragédia que até hoje custa vidas humanas, mortes essas aceleradas ainda mais,  com a inação institucional  no combate à  pandemia e que não deixa também de ser  consequência dessa parceria irresponsável  público-privada, firmada desde 2015 e consolidada com o golpe de 2016.  Jamais acreditei nas pretensões anticorrupção desse, hoje visto,  como “herói de araque", mas houve quem acreditasse por imaginar  que, na prisão de empreiteiros da construção civil, houvesse uma luz para o fim dos desmandos. Porém, acho que  Moro tem razão quando afirma que suas ações foram confirmadas pelas instâncias superiores. Ministros do STF resolveram fazer da operação Lava Jato uma espécie de Fla-Flu político, contribuindo para a  polarização político-ideológica. Todavia, na maioria das decisões Moro saiu vencedor sob os auspícios dos militares, mídia e da ala lavajatista do STF. Nesse ínterim, a engenharia nacional, conceituada  na América Latina e nos continentes africanos e asiáticos, foi jogada no abismo profundo resultando, como poeirão, a maior taxa de desemprego da história e uma recessão sem expectativa de final. A mídia apoiadora cita como contribuição positiva da operação, a recuperação de R$ 10 bilhões tomados da corrupção, apesar de não haver publicização dos recibos desse resgate. O que se sabe, no entanto,  é que a Petrobras foi obrigada a repassar R$ 1,3 bilhões à justiça americana por ação dos EUA, fictícia e feita às pressas em 2016 contra a estatal brasileira e que, segundo as recentes investigações do STF, esse valor retornaria para a Força-Tarefa como  uma espécie de “presentinho”, a todos os envolvidos na entrega do patrimônio nacional aos estrangeiros, por meio da privatização do pré-sal e do restabelecimento da política neoliberal em detrimento do bem-estar social.A tempo, o próprio  STF evitou o escândalo. O resumo de tudo é que hoje, temos um país distante do convívio  global, sem credibilidade, porque as próprias instituições públicas estão em ruínas e o Brasil avesso a tudo que ocorre de normal no mundo.