Gerônimo Vicente

Não tão difícil prever no passado, o brutal retrocesso sócio-político de hoje

Gerônimo Vicente 04 de abril de 2021
Não tão difícil prever no passado, o brutal retrocesso sócio-político de hoje
Reprodução - Foto: Assessoria
Fazendo um retrospecto de vida cheguei à conclusão de que  testemunhei e participei direta e indiretamente da melhor fase de conscientização política da história deste país. A década de 1980, apesar da prevalência do Regime  Militar, embora decadente naquela oportunidade,  provocou uma intensa movimentação nas universidades públicas, no sindicalismo e na imprensa alternativa pelo restabelecimento dos direitos sociais e civis. A campanha das Diretas Já! foi um marco importante para a reconquista da democracia, depois de 21 anos de espera e de agonia. A minha  entrada no jornalismo somente veio reforçar essa conscientização crítica e política, dando-me aval até mesmo para vaticinar  o que viria pela frente. E, essa bagagem de conhecimentos fez-me enveredar por  audaciosas previsões sobre o brutal retrocesso que se avizinhava no País,  estimuladas por aquelas “micaretas dominicais” patrocinadas pela mídia tradicional  e por um consórcio composto  por representantes do segmento político-econômico do país. A massa de manobra uniformizada com camisa da, então corrupta CBF embarcou na onda da elitização das manifestações sem parar para imaginar o que viria de pior pela frente. Sem ter  nenhuma pretensão de lidar com futurologia, percebi, naquela ocasião, que  alguns fatos  ocorridos durante as manifestações pela saída da presidente Dilma Rousseff do poder não seriam tão consolidados como pensava a maioria das milhões de pessoas  que ocuparam as ruas do país e que gritavam pelo fim da corrupção, alvo até  impossível no mundo histórico do poder público.  Previ que o principal articulador daquela onda verde-amarela, o senador Aécio Neves, não seria o protagonista das eleições presidenciais de 2018 como pretendia ser, caso não conseguisse reverter o resultado das eleições de 2014 quando foi derrotado por Dilma Rousseff. Aécio e Geraldo Alckmin foram expulsos de uma manifestação na Avenida Paulista convocada por eles mesmos e, por pouco, não foram agredidos. Desse episódio surgiu essa previsão apesar de naquele período  a expressão mais utilizada pela manifestantes ser: “não tenho culpa, votei no Aécio”, puxada pelo ex-jogador de futebol Ronaldo Fenômeno. Surgia naquela ocasião uma ala agressiva  que, além de incluir o  próprio organizador dos atos festivos na relação dos atacados se apoderaram de pautas esquisitas no movimento e as exibidas em cartazes tais como: “Pelo fim das ciclovias”. "Feminismo não, feminicídio sim”  foi outro absurdo exibido em rede nacional; “Pelo fim do STF” e pela “Intervenção Militar” e “a favor da islamofobia”. A excentricidade vista por alguns  em memes, significava  a raiz  da extrema-direita que hoje chegou ao seu apogeu. Essa postura violenta foi ignorada, inclusive por esses presidenciáveis que agora assinam manifesto contra  o governo Jair Bolsonaro, mas que o ajudaram a chegar ao poder. Percebi então que uma nova liderança surgia como herança de Aécio Neves que era o ex-capitão do Exército que naquela ocasião já demonstrava seus dotes em exercícios de abdominais sobre os carros estacionados nas vias públicas. Alguns que me ouviram não acreditavam nessa possibilidade. Em 2017, já estabelecido o golpe político com Dilma Rousseff, as atenções  se voltaram para inviabilizar a volta de Lula ao cenário político e a Operação Lava Jato se tornou o carro-chefe dessa missão. Cheguei a afirmar para alguns colegas que  a operação iria fracassar e que o grande culpado seria aquele que era chamado de herói, naquela ocasião, o então juiz Sérgio Moro. A base para mais esse exercício de futurologia  foi o impacto que a operação Lava Jato causou no chamado Centrão. Os deputados  integrantes da bancada  conhecida por troca de favores  foram, junto com os petistas, os principais alvos da Lava Jato e, certamente, mais cedo ou mais tarde  se vingariam. A resistência e solidez desse grupo parlamentar já dura quase 30 anos e não seria tão fácil  imaginar que o núcleo da corrupção estaria fragilizado, enquanto o magistrado se reunia em festas com outros figurões da política, acusados em irregularidades com o dinheiro público, como se fossem uma capa de proteção.O Centrão triplicou a força e agora  vai à forra. Conclui-se que não era preciso ser futurologista para se ter uma dimensão do retrocesso político, social e econômico que se mostra tão profundo ainda mais depois de afetado pela pandemia que hoje nos isola perante o Mundo. Estamos largados como se estivéssemos em  uma "ilha continental" e lutando, desesperadamente, pela sobrevivência, principalmente, depois que a população brasileira foi entorpecida por superdosagens de fundamentalismo religioso, de militarismo irresponsável e de um negacionismo a tudo que  é legal e científico.. No entanto, é necessário deixar claro que a instituições públicas deram corda para que chegássemos a esse estágio avançado e, exemplos não faltam como, a descabida interpretação constitucional sobre a prisão em segunda instância pelo STF, simplesmente para atender a interesses políticos e  o uso ultra exagerado das atividades públicas como extensão de indignação na vida privada nas redes sociais  como  fizeram os  agentes públicos das instituições públicas federais de fiscalização e controle. Com a carga de desmoralização pública, esses representantes tentam, às pressas,  remendar os estragos de credibilidade sem ainda entender que, com a consolidação das redes sociais, o domínio da informação passou a ser individual. Cada cidadão dispõe hoje de todos os passos sobre  o que eles fizeram no passado.