Gerônimo Vicente

Capitalismo aponta para a Internet como vilã de sua decadência

Gerônimo Vicente 21 de março de 2021
Capitalismo aponta para a Internet como vilã de sua decadência
Reprodução - Foto: Assessoria
Entre  os quase oitenta textos já publicados neste espaço, muitos deles se referem ao comportamento e expansão da fake news no mundo na Internet. O uso costumeiro deste importante e popular instrumento  global de comunicação começa a adotar a assinatura digital que delimita quem são seus consumidores. O sistema já é visto em jornais, revistas, canais de televisão e nos chamados play, aplicativos  de todo tipo de coisas que você pode acessar em qualquer lugar do Planeta. Em  24 de junho de 2018, publiquei um texto que se referia ao  mega bio-empresário, o sul-africano Patrick Soon-Siong, radicado nos Estados Unidos e ex-cirurgião da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles). Ele fez a seguinte pergunta ao mundo digital: “vocês  têm dado uma razão aos leitores para a compra de uma assinatura digital”? O questionamento de Soon-Siong é simultâneo a uma aposta arriscada feita no mundo empresarial norte-americano. Ele é  um pesquisador e ao mesmo tempo dono de um complexo de indústria farmacêutica com espaço em vários países. A  partir da venda de duas biofarmacêuticas ele comprou por US$500 milhões dois importantes e centenários jornais impressos norte-americanos,  Los Angeles Times e do San Diego Union Tribune, em meio à crise do jornalismo em papel no mundo. O megaempresário e pesquisador prevê a ruína da Internet  pela más condições das informações e reserva suas  apostas para o  “sacode a poeira” da mídia impressa como reestímulo  à  leitura e conhecimento da população e ao mesmo tempo , a adesão comunitária aos seus projetos de pesquisa, a partir de reportagens didáticas  e que gerem multiplicadores para seus projetos empresariais na área da biodiversidade. A aposta no descrédito da Internet começa não só a se disseminar no meio político e socioeconômico capitalista, mas também em regimes totalitários que já se assanharam com a ideia e têm adotado a seguinte prática nos últimos meses: apagar a rede mundial de computadores, mesmo em plena pandemia. Em 2020, bilhões de pessoas em todo o mundo confiaram fortemente na conectividade com a Internet para manter contato com a família e amigos, aprender online, trabalhar em casa e obter informações vitais sobre a pandemia do coronavírus. Ainda assim, 29 países intencionalmente desligaram ou desaceleraram suas comunicações na Internet pelo menos 155 vezes, de acordo com um novo relatório publicado pela Access Now , um grupo de direitos digitais sem fins lucrativos. A maioria das paralisações ocorreu na Índia, casos ocorridos nove vezes ao longo do ano passado, principalmente na Caxemira administrada pela Índia e região de conflito com o Paquistão, que respondeu por quase 90% de todas as paralisações da Internet tornando  um caos a vida de muitos estudantes que mudaram do ensino presencial para o remoto como resultado do COVID-19. Somente com a intervenção da  Suprema Corte indiana é que houve uma revisão das paralisações da Internet na Caxemira, declarando que elas eram inconstitucionais e violavam as regras de telecomunicações do país. Além da Índia, os governos de Mianmar, Paquistão, Bangladesh, Quirguistão e Vietnã também bloquearam o acesso à Internet em 2020. Mianmar, que sofreu um golpe militar no final de janeiro, impôs a paralisação mais longa registrada até agora, que continuou de 2019 a 2020 e até o início de fevereiro deste ano nos estados de Rakhine e Chin, cujo objetivo era essa tomada do poder. E o que mais impressiona, é o silêncio das autoridades mundiais dos direitos civis e sociais quanto a essa república asiática. Na Europa, a situação também incomoda os europeus. Durante a eleição bielorrussa de agosto de 2020, o governo bloqueou canais de mídia social, incluindo WhatsApp, Telegram, Viber e Twitter, bem como VPNs e navegadores Tor. Apesar disso, os manifestantes foram às ruas para contestar a vitória presidencial de Alexander Lukashenko. Como resultado, o governo impôs um desligamento total da Internet da noite de 9 de agosto a 12 de agosto de 2020. Um número crescente de desligamentos de internet foi implantado em áreas de conflito. Durante a guerra do ano passado entre o Azerbaijão e a Armênia pela disputada região de Nagorno-Karabakh , o Azerbaijão fechou a mídia social e a comunicação com os cidadãos por seis semanas. O governo disse que isso foi feito para evitar provocações armênias. Segundo o site Al Jazeera, o  país com o maior número de paralisações de internet no Oriente Médio em 2020 foi o Iêmen, um país mergulhado em conflitos armados e crises humanitárias. Essas paralisações agravaram a situação, tornando o acesso à informação e comunicação - tanto por parte de iemenitas quanto de organizações internacionais que tentam trabalhar no país - muito difícil. Em janeiro de 2020, 80% da capacidade da Internet foi cortada no Iêmen após relatos de sabotagem de cabos de fibra ótica por rebeldes Houthi. Outros países do Oriente Médio que fecharam a Internet incluem Turquia, Síria, Iraque, Irã, Egito e Argélia. Na América Latina, o desligamento da Internet também ocorreu na Venezuela, Equador e Cuba. Em 2020, o governo cubano bloqueou o acesso ao Telegram, WhatsApp, Twitter e outras plataformas de mídia social por três dias após grandes protestos públicos condenando restrições às liberdades civis, esses estimulados por países neoliberais. O que alegam esses governos para justificarem o desligamento da internet? Como resposta, a maioria alega a avalanche de notícias falsas, medidas cautelares, segurança pública e segurança nacional como motivos para o apagão cibernético e, evidentemente, alguns desses itens  não passam de  atos de estado de exceção, próprios de regime totalitários. Inclusive, são esses próprios governos que estimularam a desinformação, provocaram conflitos e provocaram instabilidade política. As verdadeiras razões para esse fechamento são, eleições, protestos, violência comunitária, controle de informações e fraude em exames. Enquanto o totalitarismo age de forma mais explícita e  radical, os chamados regimes democráticos neoliberal atuam na base do faz-de-conta  que nada disso ocorre e esconde a informação para não demonstrar instabilidade econômica e política em seus países. A imprensa liberal democrata dos Estados Unidos, após a vitória de Joe Biden, abriu a tática de ocultar a resistência no país de grupos de extrema-direita, os chamados órfãos de Donald Trump. Na sexta-feira (19), por exemplo, na cidade de Atlanta,no estado da Geórgia, seis mulheres asiáticas foram  mortas por um homem que invadiu, armado, uma casa de massagem. As vítimas tinham entre 24 e 65 anos e, pouquíssimos veículos da imprensa americana, europeia e latino-americana se referiram aos casos que têm gerado pânico à população asiática residente em território americano, a maioria estudantes buscados por universidades estadunidenses em seus países para exploração de pesquisas científicas. A tática bem parece com aquelas traçadas no início do século 20. Estou lendo um best-seller do final dos anos de 1980, chamado “Império”, do escritor Gore Vidal. Na obra, o autor se refere à Randolph Hearst, mais precisamente o conhecido “Cidadão Kane”, homem que tomou empréstimo da bilionária mãe (a genitora depois se arrependeu de ter lhe dado a grana) para montar uma rede de jornais  americano no século 19 para ajudar na expansão americana no Pacífico e na América Latina. Por meio do  The New York Journal  ele entrou em conflito com  New York World, de Joseph Pulitzer, e criou então a expressão de "imprensa amarela” (no Brasil, imprensa marrom)  - histórias sensacionalistas de veracidade duvidosa. Foram essas notícias que provocaram a invasão americana à Cuba e às ilhas filipinas, expulsando os espanhóis dessas áreas. Um dos mais hilários, senão trágico episódios, ocorreu quando um chargista foi mandado para Cuba e de lá esperar a chegada dos americanos como invasores da Ilha. O profissional ligou para Hearst e o avisou de que nada estaria acontecendo no local. “Fiquei aí que eu faço a guerra daqui”, foi a resposta do empresário fanático, pioneiro das fakes-news e que até hoje influencia a mídia norte-americana. Fazendo um paralelo e  analisando os fatos relatados acima, é de se imaginar  que a internet será a grande vilã da decadência do capitalismo e do ressurgimento do totalitarismo nas décadas iniciais deste século. Não é à toa que o livro “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky, e Daniel Ziblatt, é um dos mais lidos na atualidade.