Fim do quase centenário estádio Gustavo Paiva, o conhecido campo do CSA a partir do dia 15 de dezembro.Creio que muitos torcedores azulinos querem contar um pouco da história de vivência com aquela área de restinga que sempre misturou futebol, meio ambiente, mangue, sustentabilidade, até chegar a essa degradação ambiental e social que valeu o futuro desmoronamento de uma estrutura esportiva que somente deixará lembranças. Sou um desses torcedores e já contei parte dessa trajetória nesse espaço, mas desta vez, quero registrar a relação próxima com o lugar que foi o meu lazer das tardes, durante a infância e adolescência.
Morei a cerca de 300 metros do campo do CSA, local que comecei a frequentar em 1973, depois que me identifiquei como azulino por influência do meu pai. Antes porém, nos fim dos anos de 1960, assisti a vários clássicos entre CSA x CRB no Mutange, levado por um desenhista da antiga Ceal, amigo de minha família, chamado Pedro Vieira. Naquela época, o estádio era dividido em duas arquibancadas, uma coberta com duas cabines de rádio e cadeiras cativas que ficava do lado da lagoa. A outra arquibancada era ‘descoberta do lado da rodovia e que existe até hoje. Nos fundos da trave do lado de Bebedouro havia uma parte alta de barro que era chamada a geral, destinada aqueles com acesso aos ingressos mais baratos. Era nesse espaço que nós ficávamos. O futebol nem de longe tinha o profissinalismo de hoje. Alguns atletas, inclusive, trabalhavam e tinham lazer próprio, já que o regime de concentração ocorria somente às vésperas da partida. Até o ato de beber sequer era contestado na maioria das ocorrências pela diretoria, exceto nos exageros de noitadas. Tanto que os jogadores, geralmente tinham o apelido recebido nas mesas de bar, como, por exemplo Canavieira, exímio atacante do CRB que além de fazer gols gostava também de um tomar um aperitivo antes dos treinamentos. Segundo o cronista esportiva Lauthenay Perdigão, era o primeiro a chegar para treinar e o último a sair.
Bicudinha vermelha
Quando não ia ao estádio assistia da porta de casa à passagem dos torcedores a pé e o desfile de carros indo e vindo do estádio. Uma das lembranças do final da década de 1960 era um ônibus, antes o nome era lotação, apelidada de “Bicudinha”, por ter a carroceria de ônibus escolar, mas a frente de caminhão. Era o ônibus oficial da delegação azulina, pertencia ao empresário Luís Calheiros, dono de uma frota de lotaçã. O mais interessante era a cor: vermelha. Em uma ocasião a tensão tomou conta dos torcedores do Azulão, quando a “Bicudinha” capotou com o time azulino que iria para um amistoso em Recife contra o Santa Cruz.
Zé Luís (goleiro), Canhoteiro (atacante), Paranhos (zagueiro), Alberico e Ratinho (atacante) são os nomes dos atletas azulinos que mais me lembro dessa época. Paranhos, a partir de 1972 passou a ser o orgulho dos torcedores azulinos por jogar como titular no São Paulo ao lado de craques como Pedro Rocha (atacante), volante Chicão, o goleiro Valdir Perez e o atacante Mirandinha.
Contudo foi a partir de 1973 que a minha relação com o campo do Mutange foi mais intensiva. Estudava pela manhã e à tarde assistia aos treinos do time ou participava de um racha (pelada) nos espaços de barro.
O time do CSA era caseiro, mas um adolescente como torcedor nunca esquece do primeiro time e assim sou eu: Dida, Mendes, Bibiu, Zé Preta e Jaminho; Dudu,Soares e Batoré, Manoelzinho, Giraldo e Ricardo ou Misso era o escrete daquele ano, a maioria da formação de base, pois a única competição era o campeonato alagoano que tinha quase um ano de duração, com dois turnos, um quadrangular e uma decisão. O preparador físico era Edson Nunes, professor do Cepa. Aliás, prevendo que futebol não lhes davam futuro, atletas como o goleiro Zé Galego e o meia Soareste optaram pelo vestibular e seguiram a carreira de Nunes, estudando pela manhã e treinando à tarde. O mesmo fez Tadeu, ex-jogador do CRB, também estudante de Educação Física e que tinha as mesmas característica do hoje lateral Apodi, atuava em todas as posições. Já Zé Preta fazia Agronomia na Ufal.
Barbosa Palavrão
CSA sempre foi um time de massa em Alagoas e, na década de 1970, a torcida era associada à pobreza por ser mais numerosa nos bairros onde se concentravam as pessoas de baixa renda, a exemplo de Vergel, Ponta Grossa, Trapiche, Bebedouro, Pontal da Barra e Ponta Grossa. Já Farol, Pajuçara, Jatiúca associados à classe média e alta, a torcida regatiana tinha a maioria.
As condições do gramado do Mutange não eram das melhores que se podia imaginar para um campo de futebol, mas sem alternativa o jeito era treinar em meio a lama durante o inverno e na grama misturada ao barro durante o Verão. Lembro-me, dessa época, do técnico Barbosa Palavrão, que ganhou a denominação por xingar os jogadores com palavras de baixo calão ao perceber um erro nos treinos. Barbosa colocava o time para treinar em meio ao lamaçal do Mutange durante o coletivo apronto e, às vezes também recomendava como preparação física, a subida e descida da barreira em frente ao campo para aprimorar o condicionamento físico. Muitos jovens desistiam de serem jogadores devido à cobrança excessiva do treinador. Outro fato inusitado que vi no Mutange foi o empresário Dagoberto Silva que uma vez se viu sozinho na diretoria e resolveu acumular funções: foi diretor, treinador e preparador físico do time em pleno campeonato estadual.
A concentração ficava próximo ao portão de acesso com poucos dormitórios destinados aos jovens vindos do interior. O uniforme do time era lavado em uma bacia grande por Dona Maria, mãe de Manoelzinho Caranguejo, Jorge Siri, Peu e Chico, todos se tornaram jogadores. Pela manhã, Dona Maria era lavadeira e à tarde vendia uma bebida congelada denominada de “raspadinha” durante os treinamentos quando o estádio estava lotado, principalmente quando havia apresentação de reforços.
Siri, Caranguejo e Chié eram apelidos comum dados a atletas que apareciam para treinar no Mutange. A alusão aos crustáceos vinha do fato de o estádio ter ao lado, um manguezal com essas espécies. À propósito, o Mutange era um espaço democrático para as pessoas, pois era acesso frequente dos catadores desses animais independente de paixão futebolística e também dos torcedores.Os portões eram abertos dia a noite.
O CSA começou a disputar campeonato brasileiro em 1974 e usou o mesmo time de 1973 para a competição, concluindo na lanterna da tábua de classificação, com uma apenas vitória sobre o Ceub de Brasília, time formado por universitários da universidade da capital federal.
O mau desempenho fez a diretoria presidida por Jorge Assunção e dirigida por Haroldo Dionísio a reforçar o time para as próximas temporadas. O campeonato Brasileiro era composto pelos campeões estaduais e em 1975, o contratado técnico Laerte Dória trouxe um coletivo de jogadores gaúcho. Rafael (goleiro), Maurício (volante), Djair (meia) Ênio (ponteiro-direito). Além deles, a direção trouxe Ferretti, artilheiro do Botafogo, Nei Conceição, craque de bola do Fluminense comparado a Rivelino e Torinho. Iniciava-se aí a inclusão de jogadores dos grandes centros no futebol alagoano e o que mais impressionava aos torcedores era a altura dos atletas comparada à média de altura dos alagoanos à época, que era de 1,70 metros.O goleiro Rafael, por exemplo tinha 1,92 metros e era chamado de gigante nas transmissões esportivas.
Pois bem, mesmo tentando modernizar o futebol com experientes reforços, a situação de treinamentos era a mesma, em meio à lama e ao barro.
Piscinas pra sapos e cobras
Em 1975, a diretoria azulina decidiu transformar o CSA em um clube. numa tentativa de se aproximar do rival, CRB que possuía um estádio e um clube na Pajuçara, fato que aproximava os torcedores da classe média alta e dos herdeiros os usineiros do clube.. Jorge Assunção e Haroldo Dionisio providenciaram o projeto e o campo do Mutange recebeu três campos society, uma churrascaria e duas piscinas uma para adulto e outra infantil. Os campinhos foram feitos, a churrascaria não saiu da alvenaria e as piscinas viraram espaços de sapos e cobras. Ocorre que, por falta de planejamento, a diretoria não vislumbrou o fato de que os clubes sociais em Alagoas estavam em fase de extinção por falta de sócios, devido ao crescimento de turismo de lazer nas cidades litorâneas próximas a Maceió.
Testemunhei também ídolos do CRB que se transferiram para o Mutange e geraram desconfiança dos torcedores azulinos, como o centroavante Joãozinho Paulista, o meia Gilmar, o Cavaleiro Negro, o volante Deco, o zagueiro Bibiu, o volante Tadeu e o ponteiro-esquerdo Silva. A torcida considera que além de atletas eles eram torcedores alvirrubros.
Do Mutange também me vem a lembrança de vários duelo entre jogadores em campo estimulado pela imprensa alagoana.Como o ponteiro Ricardo (CSA) x Ademir Carcará I (lateral-direito do CRB), o ponteiro Silva (CRB) x Geraldo Cacetete, Ênio (ponteiro-CSA) x Flávio (lat.esquerdo CRB), Giraldo (atac, CSA) x Ronaldo Brito (zagueiro CRB).
Acompanhei essa trajetória do Campo do Mutange até o início da década de 1980, quando entrei na universidade e as atenções se voltaram para o estudo de jornalismo. Aliás, escolhi fazer o curso depois de assistir, por longos anos, às transmissões esportivas e coberturas diárias do clube por cronistas locais como, Jurandir Costa, Costa Cabral, Márcio Canuto, Edvaldo Alves, Adilson Couto, Arivaldo Maia, João Malta, Arnoldo Chagas, João Malta, Wassil Barbosa, Waldemir Rodrigues e Antonio Torres.
A profissão de jornalista fez-me acabar o fanatismo azulino .É que o jornalismo esportivo foi o início da carreira e, apesar de azulino fui designado pelos demais repórteres do setor, Edvaldo Alves e Adelmo dos Santos (ambos CSA) a cobrir o Clube de Regatas Brasil.
Porém, não são poucos os torcedores azulinos que podem contar mais história sobre o estádio Gustavo Paiva, esse espaço esportivo que deve ser lembrado na memória e nos registros históricos do futebol de Alagoas. Para minha alegria o novo espaço azulino, o Nelsão, da cidade universitária, fica a 400 metros. Resta saber se sou eu que acompanho esse time ou vice-versa.
Gerônimo Vicente
Sobre
O trecho padrão original de Lorem Ipsum, usado desde o século XVI, está reproduzido abaixo para os interessados. Seções 1.10.32 e 1.10.33 de "de Finibus Bonorum et Malorum" de Cicero também foram reproduzidas abaixo em sua forma exata original, acompanhada das versões para o inglês da tradução feita por H. Rackham em 1914.