Alisson Barreto

O dolo indireto e o amor

Alisson Barreto 18 de setembro de 2018
O dolo indireto e o amor
Reprodução - Foto: Assessoria
O dolo indireto e o amor Algumas pessoas falam em dolo (pronuncia-se “dólo”), mas nem todas sabem diferença-lo da culpa ou conhecem sua modalidade indireta. E, normalmente, as pessoas relacionam às leis civis. E quanto às leis divinas, será que podemos perscrutar nesta perspectiva? Vejamos! Resumidamente, tem-se: a culpa, em sentido amplo (lato sensu), comporta duas modalidades: dolo e culpa em sentido estrito (stricto sensu). Esta é possível diante de três possibilidades: imperícia, imprudência ou negligência. O dolo, por sua vez, é possível de forma direta (quando se busca, efetivamente, o dano) ou indireta (quando se assume o risco do resultado danoso). Este é o aspecto que meditaremos em relação ao mandamento de amar e seus respectivos desdobramentos (não matar, não roubar, não pecar contra a castidade etc.). Exemplificando: se um indivíduo dirige em uma rua onde há crianças e animais a uma velocidade que ele sabe que não terá como desviar, em caso de emergência, ou deliberadamente passa um fino em um pedestre que atravessa a rua, sabendo que se a pessoa tropeçasse ele a atropelaria, ele assume o risco do atropelamento. Ora, o mandamento de amar requer o cumprimento de todos os mandamentos e, portanto, inclui o mandamento de não matar. Portanto, quando se assumiu o risco de matar e ocasionou a morte, inseriu-se na infração ao mandamento divino por cometimento de dolo indireto. Tal assunto clama por uma explicação advinda da sabedoria dos mais velhos. Era muito comum as avós aconselharem acerca de se evitar as ocasiões de pecado. Assim, as filhas e os filhos eram educados para não ficarem sozinhos com suas respectivas namoradas e namorados em uma casa ou qualquer local. A instrução traduzia-se em evitar o pecado contra a castidade, a partir da evasão do risco que um ambiente desprotegido de olhares causaria. Ou seja, estando a sós, o casal ficaria mais à mercê dos impulsos instintivos, hormonais, uma vez que a consciência relaxaria por não ter a vigilância de terceiros. No exemplo acima, o que os jovens não têm feito é a ligação entre o que os idosos e os padres (para os que procuram confessionário) diziam/dizem e a importância disso para suas vidas. Daí, entrando em ambientes e situações de risco de pecado, deparando-se com a força dos próprios instintos os jovens pensam: é algo forte e natural que não tem como lutar contra. E a mídia diz “é bom! Use camisinha”. E logo os jovens se veem na situação da propensão a novos pecados, consequência natural do pecado. Ora, o sexo não é pecado, se dentro do matrimônio. Por isso, Deus o criou bom para o homem e bom para a mulher, para promover a formação da família, célula máter da sociedade. Como o incentivo das mídias, dos órgãos públicos e de muitas escolas é para que se use camisinha, não mais se discutindo sobre a possibilidade de não fazer antes do casamento: a preocupação de se evitar os ambientes propícios ao pecado e a eliminação do risco de pecar foram sendo deixadas de lado e a própria palavra pecado passou a ser ignorada, como se fosse uma mera invenção da Igreja sem maiores danos para a vida de cada um. E, assim, a castidade e a família foram valores pouco a pouco ignorados ou transmutados, em muitos ambientes sociais. Logo o amor – o qual levava ao respeito à integridade corpóreo-espiritual (e, por conseguinte, à castidade extra-matrimonial) – foi, paulatina ou vorazmente, trocado pelos impulsos passionais, hedônicos, egoísticos, carnais. O risco assumido gerou uma falta contra o amor. Nota-se, portanto, que pecado contra o amor por dolo indireto, no momento em que se vai a um lugar onde se aumenta o risco do cometimento do pecado, e o dolo direto, no momento em que se opta deliberadamente por pecar. Poder-se-ia falar em pecados leves e veniais. E uma possibilidade considerável parece-nos constatar que há um aumento da gravidade do pecado a medida em que se avança nos tipos de pecado: do pecado por pensamento para os atos preparatórios, deste para as situações de risco de pecado e, por fim, do direto cometimento do pecado. Note-se, porém, que a gravidade não é em função da mera prática motora, mas em função da deliberação da consciência em consentir o pecado e do nível de envolvimento em cometê-lo. Assim, parece-nos que quão maior a consciência em optar pelo pecado, maior sua gravidade. O contrário desse caminho é a opção preferencial pelo amor, subordinada à opção fundamental por Cristo. Tal santa deliberação troca o caminho do erro do pecado pelo caminho da retidão do amor. A propensão ao pecado (chamada concupiscência) é trocada pelo foco na pureza, na santidade, na castidade, no amor que leva a optar pelo Céu. Assim, não mais se deturpa o sentido do amor, como se fosse um mero sentimento que justifica ações. E passa-se a tomá-lo como agir plenificador e cristificante humano. Um agir que leva o indivíduo a crescer nas virtudes, uma vez que o amor é a fonte e o nutriente de todas elas. Ora, crescer nas virtudes por alimentar-se do amor, em suma, é ser virtuosamente razoável (prudência) nas escolhas, justo (justiça), ponderado (temperança) e firme (fortaleza), além da coerência com as virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Motivo pelo qual o amor realiza o indivíduo na verdade, a adequação cristificante entre o crer, o cognitivo e o agir. Como se vê, o confessionário aguarda cada um de nós para diversas modalidades de culpa (em sentido amplo) em relação às infrações cometidas por nós em nossos pecados. Atire a primeira pedra quem nunca sequer deliberou mentalmente o cometimento de uma infração à Lei de Deus ou da Santa Igreja. Atire a primeira pedra, por ex., quem nunca faltou uma missa, ou nunca extrapolou em uma comida, ou deixou de cuidar adequadamente da própria saúde, ou ignorou alguém que sofre. Portanto, todos somos devedores do Amor. Todos precisamos da misericórdia divina. E todos somos chamados a reverter essa situação e aprendermos a amar. Eis que devemos reagir, evitando riscos de pecar e fazendo opções preferenciais pelas realidades puras, edificantes, misericordiosas, amorosas, dignificantes. A todos uma santa semana! E que o amor de Deus seja a motivação condutora de nossas vidas! Paz e Bem!

Maceió, 18 de setembro de 2018.

No amor de Cristo, junto à Virgem da Assunção,

Alisson Francisco R. Barreto[1]

    [1] Poeta, filósofo; bacharel em Direito, pós-graduado. Estudante de Teologia, no Seminário Arquidiocesano de Maceió. Fundador dos Amigos Marianos Missionários da Eucaristia – Amme (nas redes sociais: @amme.33), autor do livro “Pensando com Poesia” (disponível em americanas.com) e autor deste blog (“A Palavra em palavras”), disponível na Tribuna (leia-se TribunaHoje.com), desde 2011.