Jurídico com Alberto Fragoso

Os limites da discricionariedade administrativa nos atos punitivos disciplinares

Jurídico com Alberto Fragoso 25 de maio de 2017
Os limites da discricionariedade administrativa nos atos punitivos disciplinares
Reprodução - Foto: Assessoria

É sabido que o administrador público detém a liberdade, dentro de um juízo politico, para enquadrar a conduta infracional do servidor faltoso diante das hipóteses previstas na lei. Eis aqui a discricionariedade administrativa.

No entanto, nessas hipóteses, a instauração de um processo formal prévio é obrigatória, constituindo-se sempre em um ato plenamente vinculado.

Apesar de a lei facultar a análise das circunstâncias para se definir a capitulação da infração funcional, o administrador público está sempre adstrito à formalidade legal por meio da qual se assegurem todos os direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Com efeito, a inobservância a tais vetores importa em nulidade (e, mais além, em inconstitucionalidade) do próprio procedimento e ato administrativo casualmente praticado.

A faculdade permitida pela discricionariedade não pode conduzir-se em avesso aos princípios constitucionais que orientam a Administração Pública, devendo, por seu turno, manter com ele estreita adequação, até porque não se configura bastante a mera conformação do ato à lei por força do processo de constitucionalização que o Direito Administrativo vivenciou.

E esta discricionariedade é elemento essencial da atividade pública estatal, que confere ao administrador, dispondo de certa margem de liberdade oferecida pela lei, a apreciação subjetiva de qual o melhor comportamento a ser realizado, visando, sempre, à finalidade da norma jurídica.

Desse modo, é um requisito essencial que integra determinadas condutas públicas cujas circunstâncias a lei não pode prevê antecipadamente.

É o espaço onde a Administração pondera as circunstâncias fáticas e jurídicas, escolhendo, a teor dos preceitos de conveniência e oportunidade, o resultado que melhor atenda o interesse público insculpido no mandamento legal.

Não se permite, assim, à Administração operar em flagrante desrespeito a direitos fundamentais, com o argumento de que estaria assim agindo em conformidade à determinação restrita da lei. Por isso, deve o agente público refletir antes da edição do ato, pondo em equilíbrio os valores tecidos na ordem jurídica, sob o risco de tornar a atuação estatal incursiva no universo das arbitrariedades.

Mostra-se evidente que o agente público tem o dever legal de apurar irregularidades administrativas e faltas funcionais que ocorram no ambiente de trabalho sob sua supervisão, utilizando-se, por seu turno, de suas prerrogativas inerentes à função desempenhada para providenciar apuração dos fatos ilícitos ocorridos no serviço público, até porque a sua omissão pode encerrar em crime de prevaricação.

Diante deste viés, infere-se que a instauração de procedimento de apuração de irregularidades ou faltas funcionais é ato vinculado propriamente dito. A discricionariedade toma lugar apenas na avaliação no que tange ao enquadramento da infração funcional a teor das circunstâncias fáticas examinadas dentro da perspectiva probatória.

Neste contexto, é oportuno destacar que Di Pietro in Direito Administrativo. 20ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 568, ressalta essa liberdade do administrador no comportamento de investigação de eventuais irregularidades ou faltas funcionais; porém, registra limitações à manifestação volitiva estatal por força da própria lei:

"[...] a Administração dispõe de certa margem de apreciação no enquadramento da falta dentre os ilícitos previstos na lei, o que não significa possibilidade de decisão arbitrária, já que são previstos critérios a serem observados obrigatoriamente".

Resta, destarte, arbitrária a punição sem a prévia formalização de processos administrativos disciplinares, aplicando-se penalidades de modo sumário em arrepio às garantias fundamentais da ampla defesa e do contraditório.

O exercício equivocado do poder discricionário no poder disciplinar, além de ilegal, acaba se retratando em arbitrariedade. De fato, a discricionariedade apenas se revela após a formalização do procedimento disciplinar – este ato vinculado diante da infração ao dever funcional, e não de forma antecipada ao impor punições sumariamente.

Em idêntica visão, José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo. 24ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 906, também comunga da mesma inteligência sobre o assunto:

"Quando uma infração é praticada no âmbito da Administração, é absolutamente necessário apurá-la, como garantia para o servidor e também da Administração. O procedimento tem que ser formal para permitir ao autor do fato o exercício do direito de ampla defesa, procurando eximir-se da acusação a ele oferecida.

O fundamento do processo em foco está abrigado no sistema disciplinar que vigora na relação entre o Estado e seus servidores. Cabe à Administração zelar pela correção e legitimidade da atuação de seus agentes, de modo que quando se noticia conduta incorreta ou ilegítima tem a Administração o poder jurídico de restaurar a legalidade e de punir os infratores. A hierarquia administrativa, que comporta vários escalões funcionais, permite esse controle funcional com vistas à regularidade no exercício da função administrativa. A necessidade de formalizar a apuração através de processo administrativo é exatamente para que a Administração conclua a apuração dentro dos padrões da maior veracidade.

A discricionariedade do poder disciplinar não deve ir além dos limites pré-estabelecidos a fim de se tolerar que o administrador público competente puna arbitrariamente seus subordinados sem respeito à forma prevista em lei (due process of law); deve manter, ao contrário, ponderação no ato impositivo da penalidade, obedecendo à proporcionalidade e razoabilidade na dosimetria e na escolha do tipo da sanção aplicada.

O devido processo legal representa uma garantia fundamental do cidadão que sustenta o Estado Democrático de Direito à medida que condiciona a limitação ou perdimento de direito.

Induvidoso que a aplicação de penalidade por desvio ou infração aos deveres funcionais deve ser resultado de investigação administrativa fulcrada em procedimento formal em que se assegure a garantia constitucional à ampla defesa e ao contraditório, com amparo nos incisos LIV e LV, do art. 5º, da CF.

O ato punitivo afigura-se, portanto, ilegal caso não seja precedido de um procedimento disciplinar específico para apurar a falta funcional.