Jurídico com Alberto Fragoso

Perdas remuneratórias da URV: quem tem direito?

Jurídico com Alberto Fragoso 12 de julho de 2016
Perdas remuneratórias da URV: quem tem direito?
Reprodução - Foto: Assessoria

Amigos leitores, nesta oportunidade, serei mais prático e menos teórico do que de costume.

Venho sendo procurado por vários servidores públicos, indagando-me sobre a questão da URV (Unidade Real de Valor) e eventuais perdas salariais por conta da conversão monetária ocorrida lá nos idos da década 1990.

Antes de tudo, torna-se oportuno apresentar breves comentários do que se tratou a URV e suas repercussões nos salários dos trabalhadores e na economia brasileira.

Como se sabe, a economia do Brasil historicamente sempre foi bastante instável, impactando enormes perdas financeiras, muito em razão das desastrosas políticas monetárias. Os sucessivos equívocos dessas políticas (citem-se, por exemplo, os planos econômicos das décadas de 1980 e 1990) implicaram, sem sombra de dúvidas, escalas inflacionárias incontroláveis que limitaram o poder aquisitivo da população, gerando insegurança no mercado.

Os altos níveis da inflação empenhavam fortemente os salários pela perda reiterada do valor da moeda.

Diante disto, o Governo do Presidente Itamar Franco, através do então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, propôs a criação de uma nova moeda, o Real, com a promessa de conter a crise financeira e os picos de inflação que assolavam o país.

Para tanto, e com a finalidade de adaptar a economia a essa mudança de moeda, foi editada a Medida Provisória nº. 434/94 que instituiu a URV (Unidade Real de Valor), reeditada pelas Medidas Provisórias nº. 457/94 e nº. 482/94, sendo posteriormente convertida na Lei nº. 8.880/94.

Assim, o objetivo disso foi indexar a economia brasileira por um dado período para que o mercado promovesse as adequações necessárias de acordo com a nova referência monetária, levando-se em conta a variabilidade inflacionária à época.

Ocorreu que a legislação estabeleceu critérios objetivos para a conversão da antiga moeda, o Cruzeiro Real, em URV à data de 1º de março de 1994.

E foi na aplicação desses parâmetros de conversão que surgiram as perdas salarias no casos dos servidores públicos, especialmente para aqueles que recebiam as respectivas remunerações no dia 20 de cada mês (servidores do Poder Legislativo e Judiciário).

Como a lei determinou a conversão do Cruzeiro Real em URV com base do indexador relativo ao último dia do mês, os servidores públicos que recebiam suas remunerações no dia 20 tiveram, de fato, prejuízos financeiros na ordem de 11,98% (onze vírgula noventa e oito por cento).

No entanto, para os demais servidores públicos (Poder Executivo), não houve, a princípio, perdas salariais, já que aplicado o indexador do último dia do mês na conversão para URV, isso considerando a regra do recebimento da remuneração dentro do mês trabalhado.

Para que fique realmente evidenciada a perda remuneratória pela conversão errônea do Cruzeiro Real para URV, é necessário investigar se a fonte pagadora do servidor observou integralmente os critérios previstos no art. 22, da Lei nº. 8.880/94 (aplicação do valor da média aritmética das URVs obtidas pelas conversões nos meses novembro, dezembro de 1993, janeiro e fevereiro de 1994, ou valor da URV de fevereiro de 1994, o que for maior).

É apenas como análise individualizada de cada caso que será possível identificar a ocorrência de perda salarial a partir da apuração do índice percentual relativo à diferença entre o valor efetivamente aplicado e aquele realmente devido de URV, segundo a lei.

Sucede que, mais além dessa análise preliminar no que se refere à observância dos critérios legais de conversão pela fonte pagadora, faz-se indispensável averiguar a existência do direito propriamente dito à incorporação da diferença salarial, de acordo como entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em setembro de 2013, a Corte Suprema decidiu, no Recurso Extraordinário nº. 561.836, “leading case”, da relatoria do Ministro Luiz Fux, que é direito dos servidores públicos à implantação da diferença salarial originada pela errônea conversão da URV, seja no índice de 11,98% (onze vírgula noventa e oito por cento), seja num outro percentual a ser apurado em cada caso, aclareando o entedimento da matéria.

Entretanto, nessa mesma decisão, consolidou-se o juízo de que esse direito teria um termo final para efeito de se pleitear a incorporação e/ou o recebimento de retroativos: a reestruturação da carreira da categoria com a criação de Plano de Cargos e Carreiras (PCC) e nova tabela salarial.

É o que se conclui pelo trecho da decisão citada: “O término da incorporação dos 11,98%, ou de índice obtido em cada caso, na remuneração, deve ocorrer no momento em que a carreira do servidor passar por uma reestruturação remuneratória, porquanto não há direito à percepção ‘ad aeternum’ de parcela de remuneração por servidor público”.

Em síntese, tem-se que o novo padrão remuneratório inaugurado pela reestruturação da carreira da categoria através da instituição do PCC tem o condão de abarcar eventual perda salarial decorrente conversão equivocada da URV no cumprimento dos critérios contidos na Lei nº. 8.880/94.

Então, é lógico que não se pode concluir que todos os servidores públicos indiscriminadamente possuem o direito subjetivo à incorporação do índice percentual representativo do prejuízo financeiro pela errônea conversão da moeda.

Antes de qualquer indagação investigativa sobre o direito em si considerado, há de se pesquisar se houve reestruturação da carreira da categoria da qual faz parte o servidor público, inclusive para se considerar, a partir do início da vigência da correspondente lei, o marco inicial da prescrição na hipótese de interesse de cobrança de retroativos originados pela diferença salarial criada pela aplicação errada do indexador da URV.