“Com todo o amor…”
A curvilínea balzaquiana entrou vacilante na agência bancária, olhando para os lados. Deu uma paradinha e fixou a vista na pessoa do gerente Claudélio Aldeman de Oliveira. Com passinhos tímidos, aproximou-se dele e indagou com voz sensual:
– O senhor é o gerente?
E o Claudélio, educado como sempre:
– Ao seu inteiro dispor, madame. Sente-se, por favor.
A balzaca sentou-se de ladinho, puxou a saia até a ponta dos joelhos, piscou os olhos e prosseguiu:
– Eu gostaria de descontar um cheque…
– Ah, pois não. Fique à vontade.
– Hmmm… hmmm…
– O cheque está aí com a senhora?
– Está sim, senhor.
O cheque era nominal a Perivalda Pereira Penteado. De modo que o gerente teve de fazer a seguinte observação:
– Certamente Perivalda é a senhora…
– Sou eu. Mas me chame de Pepê, por favor. Alguma coisa errada com o cheque?
– De modo algum. Ele apenas precisa do seu endosso.
– Endosso?!
– Sim, senhora.
– Desculpe, seu gerente… eu não entendi.
Claudélio explicou:
– É simples. A senhora deverá colocar a sua firma no verso.
– Firma?! Verso?!
Aquele papo estava muito confuso para a coroa:
– Perdão, seu gerente… Continuo não entendendo nada! Essa linguagem bancária é muito complicada!
Habilidoso no trato com a clientela, Claudélio Aldeman de Oliveira partiu para o método mais simples de fazer-se entender:
– É o seguinte… a senhora escreve o seu nome aqui nas costas do cheque…
– Aaaahhh, bommm…
– … assim como faz no final da carta para o seu amado.
O rosto de Perivalda iluminou-se:
– Então, me passe a caneta, por favor.
Claudélio passou-lhe a caneta e a balzaca sapecou no verso do cheque:
“Com todo o meu amor, um grande beijo. Pepé.”
Grande colaborador
Durante muitos anos viveu em Maceió uma figura folclórica das mais badaladas: Benedito Alves, o proverbial e indefectível “Mossoró”, tido também como o “rei das quengas”. Querido e paparicado tanto por gente graúda quanto pela plebe, ele explorava o lenocínio numa boa. Depois que morreu, a zona do meretrício fechou.
Boa praça, Mossoró era bastante viajado, mas ignorantão. Dele contam as mais engraçadas histórias, a maioria transformada em piadas.
Uma delas:
Passeando no Recife, de repente Mossoró se viu na Praça da Independência, também conhecida como Pracinha do Diário, porque fica localizada em frente o tradicional matutino Diário de Pernambuco. Diante dele, uma grande lixeira, com uma tabuleta onde se lia:
“Colabore com a limpeza pública”.
Dono de bom coração, Mossoró não se fez de rogado: meteu a mão no bolso do paletó de linho, tirou a carteira de cédulas e, muito ancho, olhando para os transeuntes, escolheu uma nota de 10 Cruzeiros (moeda da época). Em seguida, pegou o dinheiro e atirou na lixeira e seguiu em frente, todo fagueiro, deixando para trás uma acirrada disputa de mendigos pela posse da grana jogada fora pelo bondoso cidadão.
A quiromante não errou!
O mês era o de agosto e o dia sexta-feira. Mesmo assim, entre chuvas e trovoadas a notícia correu rápida, pelo bairro do Feitosa: “Está no pedaço a maior vidente e quiromante de todos os tempos”.
A sociedade feitosense alvoroçou-se toda para conhecer Madame Reginalda, baiana da gema e famosa entre os soteropolitanos. Além dessa fama, a ilustre madame era chegada a uma piada, como todo bom baiano. Em pouco tempo de instalada no Feitosa, ela logo adquiriu um razoável número de clientes, entre os quais o mecânico de autos Isaías Rosalino, cujo melhor amigo continua sendo o ex-guarda noturno Zé Milton Santos.
Então, Rosalino chegou pro tal amigo e convidou:
– Zé, bóra dar um pulinho lá na madame Reginalda, pra saber das novidades?
E Zé Milton:
– Tô fora, meu irmão. Acredito em cartomante não!
– Mas essa é diferente, bicho. Ela não é cartomante. É quiromante. Advinha tudo, somente olhando pra sua mão!
– Duvido!
Tanto Rosalino insistiu que o Zé Milton concordou em acompanha-lo. E foram à tenda da quiromante-vidente. A madame examinou atentamente a mão do consulente o e finalmente falou:
– Vejo aqui que é pai de dois filhos…
– Rê, rê, rêêê… Errou, dona. Sou pai de três filhos! – respondeu o cara com ar de desafio.
A quiromante rebateu, com a maior cara de gozação:
– Três filhos, hein? Isso é o que o senhor pensa. Rê, rê, rêêê…
Barbeiro generoso
Competente profissional da navalha e da tesoura, desde os 17 anos de idade, belo dia Laurentino Lourenço arrumou seus picuás em Paulo Afonso e veio estabelecer-se em Delmiro Gouveia. Estava, então, com 40 anos de idade.
Novo na região, tratou logo de fazer amigos. O primeiro corte de cabelo que ele fez foi o do vigário. Ao final, quando o religioso perguntou quanto lhe devia, Laurentino respondeu com um largo sorriso:
– O senhor não me deve nada, seu vigário. É um serviço que presto ao Senhor Jesus!
No dia seguinte, o barbeiro encontrou a sua porta uma coleção de santinhos e livros de orações, com um cartão de agradecimento.
Nesse mesmo dia foi a vez de Laurentino raspar a barba e aparar o cabelo do principal padeiro da região. Quando este meteu a mão no bolso para tirar o dinheiro do pagamento do serviço, o barbeiro o impediu com um gesto:
– Não, não! O senhor não me deve nada! Aceite isso como uma contribuição para acabar com a fome dos necessitados.
Ao chegar à barbearia no outro dia, o profissional encontrou uma cesta cheia de pães, bolachas, biscoitos e bolos e um bilhete de agradecimento.
Dias depois, o barbeiro atendeu a um político. Depois de desbastada sua cabeleira, o cara perguntou, cheio de pilhéria:
– Seu eu fosse pagar, quanto pagaria?
– Não me pagaria nada. Aceite o meu trabalho como serviço ao município…
No outro dia, quando chegou para abrir o salão, Laurentino esbarrou na maior fila de políticos, todos esperando para serem atendidos de graça. Mas ele cobrou de todos.
E voltou pra Paulo Afonso.