Saúde

Chikungunya: o pior ainda está por vir

Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia acredita que, em um ou dois anos, doença que pode causar dor crônica durante meses terá um pico de infestações

Por O Dia 10/06/2018 09h22
Chikungunya: o pior ainda está por vir
Reprodução - Foto: Assessoria

Não é fake news para alarmar a população. O alerta vem do presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Maurício Lacerda Nogueira. "Nós já vivemos a tempestade perfeita da zyka. Nós ainda vamos viver a tempestade perfeita da chikungunya. Não há nada que a gente possa fazer para evitar, mas podemos mitigar", garante.

Para Nogueira, que é professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), o pico da epidemia da doença que se caracteriza por espalhar dores fortes por todo o corpo deve ser atingido no ano que vem. "Ou é isso, ou será no próximo ano", garante. Ele delimita os locais que serão mais atingidos: o Nordeste e a faixa de litoral de toda a Região Sudeste, inclusive, claro, o Estado do Rio. A estimativa é que, no Brasil, até 75 milhões de pessoas vivam em áreas classificadas pelos especialistas como de alto risco para a propagação da doença.

Sem a propensão de levar à morte, como acontece com a dengue, a chikungunya se manifesta em uma fase aguda rápida, que provoca febre alta e dor nas juntas, seguida por uma fase crônica que pode se tornar ainda mais torturante. As dores no corpo se estendem por meses - em alguns casos, até por dois anos - e, nos momentos mais críticos, podem impedir os portadores de exercer atividades cotidianas e profissionais.

Uma das dificuldades para o combate à chikungunya é a própria dificuldade do diagnóstico, já que a moléstia se assemelha muito à dengue e à zika que, ao lado da febre amarela, formam o time principal das arboviroses - as enfermidades transmitidas por mosquitos. "São doenças febris agudas, parecidas com a gripe. As pessoas apresentam exantemas (vermelhidão na pele), cefaleia (dor de cabeça), mialgia (dor muscular). Só o diagnóstico molecular permite diferenciar um caso do outro. Mas esse exame é caro. Então, temos que tratar todos os pacientes como se fosse dengue, porque a dengue mata, e mata rápido, o que não é o caso do zyka e da chikungunya", alerta Nogueira.

O especialista lembra que há a tendência entre os médicos de tentar identificar a chikungunya com base na avaliação dos sintomas (diagnóstico clínico). "Isso não funciona", adverte. No entanto, ele diz que o surto epidemiológico das doenças causadas por mosquitos entre 2015 e 2017 no país levou a um aprendizado que vai ser útil no novo surto que prevê "A gente pode ter dificuldades, algumas demoras, mas o sistema de Saúde do Brasil já sabe tratar dessas doenças".

DORES CRÔNICAS

As dores crônicas ligadas à chikungunya ainda precisam ser estudadas com a devida profundidade, como afirmou a pesquisadora Gabriella Maria Pitt Gameiro Sales em artigo recente publicado sobre o tema na Revista da Associação Médica Brasileira. "Quando as manifestações da chikungunya se tornam crônicas, quanto mais tempo duram, mais complicações surgem", advertiu.

A poliartralgia bilateral, como é chamado o mal que acomete os portadores da chikungunya na fase crônica, vem sendo tratada com anti-inflamatórios (esteroides ou não), imunossupressores e homeopatia. O uso de fisioterapia também é indicado em muitos casos.

O surgimento ou ressurgimento da chikungunya e de outras doenças transmitidas por mosquitos pode estar relacionados com a mudança climática global. Mas também são condicionados por variáveis como a adequação de instalações sanitárias, a disponibilidade ou não de água canalizada e o destino do lixo produzido nas comunidades. No fim, a única estratégia eficiente continua sendo tentar impedir os mosquitos de se reproduzirem.

Coordenadora do Projeto Aedes Transgênico (PAT), Margareth Capurro lembra que o convívio com o Aedes aegypti e a dengue nas cidades vem de longe. "O que mudou nos anos recentes foi que entraram dois vírus novos: o zika e a chikungunya. E, no país, nenhum humano havia tido contato anteriormente com esses vírus. A situação era favorável para que houvesse uma explosão de ocorrências da doença e, em seguida, uma diminuição - que foi exatamente o que aconteceu", diz a professora no Departamento de Parasitologia da Universidade de São Paulo (ICB-USP).

No entanto, a chikungunya ainda não chegou a contaminar tantas pessoas para que aconteça um refluxo mais duradouro. "Hoje, vivemos uma situação em que todos os lugares do mundo se tornaram muito próximos. Milhões de pessoas estão indo e vindo a todo momento. E, eventualmente, algumas delas chegam doentes. No caso, chegaram trazendo vírus que encontram uma situação extraordinária para se propagar: uma população ainda não atingida e um país infestado de mosquitos", diz Maurício Lacerda Nogueira, para explicar o mecanismo que ele afirma que vai se repetir com a chikungunya em breve.

Controlar o Aedes aegypti ainda é um desafio enorme. "São necessárias políticas públicas, engajamento da população e adoção de várias estratégias de combate: inseticidas e introdução de mosquitos transgênicos", diz Jayme Augusto de Souza-Neto, professor da Unesp.