Saúde

Famílias de 71% dos pacientes com morte cerebral recusam doação de órgãos em AL

Índice de recusa foi registrado em 2016 e este ano já chega a 50%; média nacional é de 43%

Por Fonte: Tribuna Independente 09/09/2017 14h01
Famílias de 71% dos pacientes com morte cerebral recusam doação de órgãos em AL
Reprodução - Foto: Assessoria

“Eu falo sobre isso e gosto de falar porque quero que as pessoas saibam o quanto é importante a doação, tanto de sangue, quanto de órgãos. Hoje tenho uma nova vida, só quem passa por isso é que sabe”, essas foram as palavras usadas por José Nivaldo da Silva, de 49 anos, para resumir o ato de doar órgãos. Ele recebeu um coração em abril deste ano.

Em Alagoas, no ano passado 71% das famílias de possíveis doadores rejeitaram a opção. Este ano o índice de recusa é de 50%. Enquanto que a média nacional é de 43%.  De acordo com a coordenadora da Central de Transplantes de Alagoas, Daniele Ramos, falta informação para que as famílias – com exclusividade na decisão -, optem em doar os órgãos do paciente.

“A gente tem um grande problema, o índice familiar de recusa foi 71%, o nível Brasil foi 43%. Existem ainda muitos mitos e dúvidas de como pode ser feita a doação. Tem o desconhecimento da causa, a questão religiosa no meio, o desconhecimento da vontade do doente em vida. É algo que precisa ser conversado muito. É um tema pouco conversado entre as famílias. Quando as pessoas se negam, isto tira a chance de muitas outras”, pontua.

O Estado registra 407 pacientes ativos na fila de espera por transplantes. São dois esperando coração, outros 147 na espera por córneas e mais 259 pacientes aguardando rins. Estes são os tipos de transplantes realizados no Estado. Os demais procedimentos entram na lista nacional.

Submetido a um transplante de coração em abril deste ano, José Nivaldo sofre da doença de Chagas e descobriu que precisava do órgão em dezembro do ano passado. Foram 50 dias de diferença ao entrar na lista de espera e receber o transplante. Mas nem todos têm a mesma ‘sorte’.

Segundo o presidente do Conselho Estadual de Saúde, José Wilton da Silva, a espera por um rim pode levar até dez anos. Ele afirma que muitos pacientes que precisam ainda não estão na lista de espera.

“O número é irrisório, porque só pacientes que precisam de hemodiálise são mais de 1.300 em todo o estado. Para ter menos de 300 pacientes na fila de transplante, isso já começa uma distorção. É preciso melhorar essa comunicação para que mais pacientes estejam aptos a receber um transplante”, ressalta.

Ele que também é presidente da Associação dos Renais Crônicos e Transplantados de Alagoas (Arcal) e transplantado há quinze anos afirma que o número reduzido de transplantes no estado, 90 no ano passado e 77 este ano, é resultado da falta de incentivo em campanhas e políticas públicas.

(Foto: Sandro Lima)

De acordo com José Wilton da Silva, espera pode levar até 10 anos

“O que acontece é que falta um trabalho dinâmico e humanizado com informação clara para a população. Não existe campanha nenhuma. Só no mês de setembro, mas de forma muito precária. O que falta no estado também é incentivo às equipes envolvidas no transplante. Criar políticas. O Estado e o município não investem nenhum centavo em transplantes. Digo isso de conhecimento próprio. Todo recurso vem do Ministério da Saúde. Sou transplantado há 15 anos e até a medicação é difícil”, completa. 

Para ser um doador é preciso a comprovação da morte encefálica, obtida por meio do laudo de dois médicos, além de exames de imagem. Com o atesto, começa a corrida para encontrar compatibilidade entre doador e receptor. Contudo, Daniele Ramos diz que de 2% a 7% dos pacientes têm morte encefálica e o processo é muito delicado.

“Quando é confirmada a morte encefálica, o paciente passa por um exame de imagem para comprovar se há fluxo sanguíneo no cérebro. O possível doador é mantido sob ventilação mecânica e a família é entrevistada. Participa de todo o processo, porque tem o direito de doar ou não. A partir do momento que a família autoriza, preenche toda a documentação. Aí, vai para a etapa de exames de compatibilidade e de sorologia. Tendo a compatibilidade com o da lista é feita a retirada e cirurgia no outro paciente”, explica.

“O transplante era minha última esperança”

José Nivaldo recebeu alta médica após cinco meses de recuperação. Embora o acompanhamento continue, ele se diz pronto para tocar a vida. Para ele, cuidar da família é a prioridade.

“Há seis anos que estou sem trabalhar. Quero sim fazer planos, mas a prioridade não é essa. Quero ficar com minha família. Recebi uma nova vida”, expõe.

No caso de José Nivaldo o ato de doar é duas vezes mais importante. Ele foi diagnosticado com doença de Chagas há dez anos, após uma doação de sangue. “Descobri a doença porque era doador”, diz.

Após passar por diversos tratamentos, viu a doação como o último recurso. “Quando a equipe médica que me acompanhava disse que ia precisar de um transplante de coração fiquei surpreso porque achei que iria demorar. No meu caso não demorou. Mas assusta. Nos 60 dias antes de fazer a cirurgia. Dei mais de 10 entradas no pronto socorro. O transplante era a minha última esperança”.

Ele conta também que precisou fazer trinta tipos de exames de sangue para estar apto a fazer o transplante. Ao aparecer o primeiro doador compatível foi surpreendido com a notícia de que não poderia receber, pois um dos exames tinha dado problema. “Foi uma questão do laboratório. O exame precisou ser refeito em São Paulo, mas já tinha perdido. Aí depois que consegui esse”.

Recuperado, ele tenta conciliar a nova rotina cheia de cuidados e o desejo de seguir em frente. “Ao sair da UTI, fui acompanhado por uma equipe de médicos, psicólogos, me orientando a seguir a dieta e me conscientizar de que preciso fazer as coisas direito, sem forçar. Mas para mim já estou bom. O meu receio é fazer algo que me prejudique”, esclarece.

Com os filhos Naiane, de 7 anos, e Nivaldo, de 5 anos, ele avalia que teve uma nova oportunidade de viver.

“Eu me considero numa nova vida. A gente quando é criança só entende o nascimento depois que cresce. Mas quando a gente está morrendo e passa pelo que eu passei, a gente sabe que renasceu. Eu renasci. É uma emoção muito grande, só a gente que passa sabe explicar. É uma nova vida”.