Política

Nô Pedrosa é sepultado no Parque das Flores

Militante anarquista foi assassinado com um disparo no pescoço em sua casa no último sábado (23)

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 27/12/2017 07h59
Nô Pedrosa é sepultado no Parque das Flores
Reprodução - Foto: Assessoria
Nô Pedrosa, nome como era conhecido Walfrido Pedrosa de Amorim, foi sepultado na tarde de terça-feira (26) por volta das 16h no Cemitério Parques das Flores, em Maceió. Ele foi assassinado no último sábado (23) em sua casa, no bairro de Mangabeiras, com um tiro no pescoço. Nô vivia na plenitude aquilo que defendia. Anarquista convicto, não possuía bens materiais, exceto a casa onde morava, vestia roupas simples – velhas, mesmo –, e sempre “batia o ponto” na Praça Dom Pedro II, localizada em frente à Assembleia Legislativa Estadual (ALE) e à Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos. Centenas de pessoas compareceram ao seu velório, quase todos militantes políticos de esquerda que tiveram, em algum momento de suas vidas, convivência com o “maior anarquista de Alagoas”. Não à toa, seu sepultamento se tornou um ato político, com muitas inscrições para falar. Não é difícil encontrar Nô Pedrosa em fotos de manifestações passadas, pois sua presença em atos de rua era constante, mesmo sem pertencer a nenhum partido político. Inclusive, horas antes de morrer, ele participou na Praça Dom Pedro II, de uma atividade promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), presidida pelo deputado Paulão (PT), para debater assassinatos de moradores de rua. “Morrer assassinado após participar de um ato pela paz é sem dúvida uma peça trágica do destino”, publicou o deputado após saber da morte Nô Pedrosa. O tom dos discursos no velório foi de exaltação à rigidez com que Nô vivia a vida da forma que pregava, além de relatos de como ele influenciou a militância de muitos dos que foram prestar a última reverência. Mas apesar das inúmeras falas, Nô não gostava de muitos discursos. “Se ele estivesse aqui, já tinha dito um desaforo e ido embora”, brinca o advogado Pedro Montenegro.   “Nô nunca deu trabalho a ninguém”   A postura militante de Nô Pedrosa também se dava no ambiente familiar. Seu sobrinho, Valmir Pedrosa, conta que ele era, de forma muito carinhosa, o “tio maluco da família”. “Meu pai também era militante, mas com o tempo foi se engajando menos. Porém meu tio, não. Era sempre brincalhão, mas sem nunca dar trabalho a ninguém”, comenta Valmir. O último contato com o tio, há cerca de quatro meses, foi na Praça Dom Pedro II. Valmir lembra que foi até lá porque soube que Nô estaria doente. “Quando cheguei ele perguntou: ‘Quem é você?’. Aí eu respondi: ‘Sou eu, o Valmir’. Ele riu e disse: ‘Eu sei quem você é’. No final da conversa ele me pediu uma garrafa de vinho. Esse era o único tipo de pedido que ele fazia. Jamais pediu dinheiro ou qualquer outra coisa. Uma vez meu pai lhe comprou uma calça porque achou que ele estava mal vestido. Nô brigou com ele. ‘Não quero nada seu’”, diz. Entre os companheiros de Nô Pedrosa da Praça Dom Pedro II presentes ao seu sepultamento estava Izaías Omena, conhecido como “Zau”. Dos mais próximos, ele foi o último a ver o militante anarquista com vida. “Na sexta-feira [22], por volta das 16h30, fui até à Praça e perguntei se ele tinha algo para beber. Ele disse que não, que havia apenas alguns abacaxis. Ficamos lá até perto das 18h30 e então ele foi tomar sua sopa na Catedral e de lá foi para casa”, relata Zau. Segundo ele, recentemente, Nô foi vítima de duas agressões e alguns amigos chegaram a fazer segurança para ele. “Quando a gente perguntava, ele sempre dizia que já tinha resolvido”, diz Zau. A casa de Nô não tinha portas e ele deixava qualquer pessoa entrar e dormir no local. Inclusive moradores de rua. Zau não conhecia a outra vítima do crime que matou Nô Pedrosa: José Márcio dos Santos Silva.   Crime pode ter relação com mortes de moradores de rua   A morte de Nô Pedrosa pode ter relação com as 40 mortes de moradores de rua em Maceió neste ano. Esse link é feito pelo advogado Pedro Montenegro, assessor da presidência da CDHM da Câmara dos Deputados. O motivo seria a forma como Nô se vestia e o fato de ele, por vezes, estar acompanhado de moradores de rua. “Até sua morte serve para fazer denúncia. Neste ano, 40 moradores de rua foram assassinados em Maceió e a morte de Nô chama a atenção a esse fato, até porque ele participou de uma atividade da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados horas antes de ser morto”, diz Pedro Montenegro. O advogado ressalta que a CDMH solicitou, na última semana, ao Governo do Estado o inteiro teor dos inquéritos abertos. Na quinta-feira (21), o deputado Paulão classificou essas mortes como “genocídio”. “Se há cerca de 400 moradores de rua e 40 foram mortos, temos aí 10% dessa população assassinada”, explica Pedro Montenegro. PONTO 40 Um fato intrigava algumas pessoas presentes ao sepultamento de Nô Pedrosa: a informação de que a arma que o matou era uma pistola ponto 40. De uso restrito, ela “só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército”, diz o Decreto 3.665/2000. Fábio Costa, da Delegacia de Homicídios, diz não saber o calibre da arma do crime porque ainda aguarda o resultado da perícia. Já a assessoria de comunicação da Perícia Oficial do Estado de Alagoas diz que essa informação só será conhecida após o término do laudo, cujo prazo é de 10 dias.