Política

Funaro diz ter encontrado com Cunha "pelo menos uma vez por semana" durante 15 anos

Segundo doleiro, que prestou depoimento à Justiça Federal na presença de Cunha, os dois se reuniram "no mínimo" 780 vezes

Por Fonte: G1 28/10/2017 01h56
Funaro diz ter encontrado com Cunha 'pelo menos uma vez por semana' durante 15 anos
Reprodução - Foto: Assessoria
O doleiro Lucio Funaro disse nesta sexta-feira (27), em depoimento à Justiça Federal em Brasília, que se encontrou com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha "pelo menos uma vez por semana" nos últimos 15 anos, totalizando, segundo ele, "780 encontros, no mínimo".

Funaro, que fez acordo de delação premiada com o Ministério Público, é réu na Operação Sépsis, um desdobramento da Lava Jato que investiga suposto esquema de propinas envolvendo financiamentos do Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS), administrado pela Caixa.

"Durante 15 anos eu me encontrei pelo menos uma vez por semana com Eduardo Cunha. São aí pelo menos 780 encontros no mínimo", afirmou Funaro.

O doleiro prestou depoimento na presença de Eduardo Cunha, que também é réu no processo e deverá ser ouvido nos próximos dias.

Funaro relatou que conheceu Cunha em meados de 2002, na época da eleição. E que pediu para ser apresentado ao político porque soube que seria ele quem iria "mandar" na Cedae, companhia de água e esgoto do Rio, e ele tinha interesse em administrar alguns fundos do Prece, instituto de previdência da empresa.

"Me dispus a doar dinheiro para a campanha mediante ele me dar depois uma quantidade de fundos exclusivos para eu administrar. Acertamos um valor. Ele foi eleito e, em janeiro de 2003, começou a nossa relação de negócios ilícitos", afirmou.

"A gente fez uma combinação que ele teria um percentual e eu teria outro sobe esses negócios da fundação Prece", explicou.

Segundo ele, o relacionamento com o ex-deputado foi "permanente" desde então. "A relação foi permanente de 2003 até um pouco antes de eu ser preso. Ele achou que eu já estava fazendo delação premiada, coisa que eu não estava fazendo, aí ele não me atendia mais", contou.

Funaro afirmou que se comunicava por Cunha “de todas as formas” e listou aplicativos que usavam para conversar, como Wick e Telegram.

“De todas as formas [eu me comunicava], tanto que acho que não tem nenhum grampo com ele: Wickr, Telegram, telefone criptografado. Logo no começo da relação, comprei dois telefones israelenses, que custavam uma fortuna, que trocava código. Todos. Pouquíssima coisa por Whatsapp. (...) Eu tinha um aparelho exclusivo. Era tanta neurose que eu tinha um aparelho exclusivo para falar no Wickr. Eu cobria a câmera, punha ‘chiclé’ no microfone para falar com ele no Wickr”, contou.

Esquema

Funaro reiterou os pontos que constam de sua delação premiada, como o de que a indicação de Fabio Cleto para uma das vice-presidências da Caixa foi feita por Eduardo Cunha.

Questionado pelo juiz Vallisney Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, se a nomeação dele já tinha como objetivo atender a um esquema de corrupção, o doleiro garantiu que sim.

"Nenhum partido, nenhum líder indica alguém para algum cargo no governo que não seja para ter algum proveito, ou financeiro ou politico", disse.

Funaro listou as pessoas que tinham conhecimento sobre o esquema na Caixa.

"O Geddel [Vieira Lima, ex-ministro], com certeza, o Lúcio, irmão dele, com certeza, o Henrique [Eduardo Alves], o Michel Temer, Moreira Franco, Washington Reis [prefeito de Caxias, RJ]”, disse.

'Acham que é só festa?'

Funaro ainda contestou as críticas de Fabio Cleto e de Alexandre Margotto, que prestaram depoimento antes dele.

Ao serem interrogados, Cleto e Margotto reclamaram de que Funaro não teria pagado tudo o que cabia a eles da parte da propina acertada.

O doleiro justificou os valores menores dizendo que, como emitia notas fiscais para legalizar a entrada de dinheiro na sua empresa, tinha gastos com impostos, diminuindo o valor restante.

“Todas as operações que recebi dinheiro, eu emiti nota fiscal e aí tem 22% de imposto, tem 3% de custo do dinheiro que está na conta corrente. O gasto para fazer o transporte. Eles [Cleto e Margotto] acham que é só festa, só lucro?”, disse.

'Inferno'

Ao relatar o esquema ao juiz, Funaro chegou a se emocionar e ficou com a voz embargada ao dizer que sua vida virou um “inferno”.

“A minha vida se transformou num inferno. Eu não tive opção, não tive saída [a não ser fazer delação]. A partir deste momento, quero mudar a minha vida. Hoje, para mim, menos é mais” disse.

Ele afirmou que nunca foi doleiro, mas operador do mercado financeiro e que a imprensa usa esse termo para “denegrir” a imagem dele.

“Eu nunca fui doleiro, a diferença é que eu operava para um monte de cliente e muitas vezes eu financiava com dinheiro com caixa da minha corretora. Naquela época, era difícil pegar empréstimo e eu tomava dinheiro no mercado negro de dólar. Falam em doleiro para denegrir a minha imagem”, afirmou.

A mulher de Funaro acompanhou o depoimento e chorou no momento em que ele começou a falar da família.

"Quero agora cuidar da minha filha, da minha esposa. A minha filha tem vindo nas audiências. A minha sogra também tem comparecido. Eu não quero mais passar por isso. Faz um ano e meio que não vejo meu pai. Não tenho coragem de pedir para ele me visitar. Uma vez ele me disse que preferia dar um tiro na cara do que ser preso. E hoje a minha condição é de ser presidiário", disse

Gado

Ao comentar se possui alguma renda apesar de estar preso, Funaro afirmou que atua no setor de gado e que pretende se dedicar a essa área e não mais ao mercado financeiro.

"Tenho renda referente a confinamento bovino e cria e recria de gado. [...] É uma atividade a ser desenvolvida no Brasil, uma atividade que não tem nada a ver com mercado financeiro. Não quero mais saber de mercado financeiro", afirmou.