Política

Privatização de hidrelétrica divide opiniões

Especialistas, políticos e urbanitários de Alagoas analisam a possibilidade de subsidiária passar para o setor privado

02/09/2017 08h34
Privatização de hidrelétrica divide opiniões
Reprodução - Foto: Assessoria

Com a defesa do governo federal em privatizar a Eletrobras, consequentemente até 14 usinas hidrelétricas pertencentes às subsidiárias Chesf, Furnas e Eletronorte, em caso de avanço na reforma das leis do setor elétrico no Ministério de Minas e Energia, podem também passar para as mãos do setor privado.

Esse movimento deve afetar as contas de luz dos brasileiros, mas tem potencial de reforçar as contas do governo. Entre as principais hidrelétricas que podem entrar na lista para concessão ao setor privado estão o Complexo de Paulo Afonso, na Bahia e Xingó, localizada entre os estados de Alagoas e Sergipe, operadas pela Chesf.

O governo diz que a mudança é inevitável e que a Eletrobras vai ganhar com as privatizações. O baixo preço da energia vendida pelas 14 usinas é apontado como uma das causas do fraco desempenho financeiro da estatal nos últimos anos. No Nordeste, a Chesf, por exemplo, é responsável por sistemas de irrigação que atendem a dezenas de produtores locais.

No último dia 23, o conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), órgão do governo Michel Temer que discute privatizações e concessões, aprovou a proposta do Ministério de Minas e Energia de privatizar a Eletrobras.

Com a possibilidade de privatização hidrelétrica de Xingó, a reportagem da Tribuna Independente quis saber do Ministério de Minas e Energia sobre a medida governamental. Em resposta, a assessoria do ministério informou que já havia a intenção de o governo Temer fazer a diluição da participação da União no capital da Eletrobras.

“Qual é o objetivo que não mudou e está anunciada desde o início? É reduzir abaixo de 50% a participação da União no capital da Eletrobras. Quando ocorre isso, você tem algo parecido com o que aconteceu com a Vale do Rio Doce e com a Embraer, no qual você não tem um único sócio ou um sócio com mais de 50%”.

Governador cobra dívida da União

Ao tratar da possibilidade de privatização da hidrelétrica de Xingó junto ao governo estadual, Renan Filho (PMDB) deixou claro, ao ser indagado pela reportagem da Tribuna Independente, que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) já está atuando para conseguir receber o débito que a União tem com Alagoas quando no final da década de 1990 houve a venda da Companhia Energética de Alagoas (antiga Ceal) para a Eletrobras.

“O Governo de Alagoas vai acionar a Justiça para receber o que tem direito”, disse Renan Filho.

Em agosto do ano passado, o chefe do Poder Executivo relatou que a dívida da União era de R$ 230 milhões, no entanto, com a correção monetária, o débito poderia chegar à casa dos R$ 2 bilhões. “Acho que o Governo Federal pode até tomar decisão de vender, só tem que pagar a Alagoas”, explicou à época.

RISCOS

A Tribuna ouviu também alguns personagens para saber sobre as possibilidades e quais os pontos negativos ou positivos da privatização da hidrelétrica de Xingó.

O presidente do Sindicato dos Urbanitários, Nestor Powell, que esteve em Brasília na semana passada com representantes de outros sindicatos do Nordeste para pleitear junto aos deputados federais, avalia que a categoria enxerga um movimento para entregar o patrimônio público brasileiro como um todo.

“Estamos falando da Eletrobras, mas não podemos esquecer que tem um pacote colocado. Então, o setor de energia, o elétrico, o setor de petróleo e gás, além das empresas de saneamento, empresas as quais a maioria delas são estaduais, também estão nesse pacote de privatização. Estamos preocupados com isso, pois são setores estratégicos, tanto o de energia como o do saneamento para o desenvolvimento de qualquer país. Quando essas empresas entram a lógica do capital qual é? É o lucro. E para ter lucro precisa aumentar tarifa”, argumentou o presidente Sindicato dos Urbanitários.

Deputado critica e consultor não crê em mudança

Representante do Sertão do São Francisco na Assembleia Legislativa do Estado, o deputado Inácio Loiola (PSB) se notabiliza por seus discursos em defesa da região.

Questionado sobre a proposta de privatização da hidrelétrica de Xingó, Loiola diz ser radicalmente contra, pois, segundo o parlamentar, esse movimento vai significar um grande desastre para o estado.

“É uma área extremamente estratégica para o Brasil, principalmente no que diz respeito à Chesf, que é um dos maiores patrimônios da história do Nordeste, onde nós temos aqui a maior concentração de hidrelétrica que o mundo tem”, argumentou o deputado.

Inácio Loiola lembrou ainda que o Nordeste já havia sido “sacrificado” em 1945, quando a Chesf foi criada e o escritório-sede ficou no Rio de Janeiro, posteriormente indo para Recife.

“Deveria ter ficado entre Paulo Afonso e Delmiro Gouveia. Então, já foi um golpe em nós dessa região. E a privatização da Eletrobras, principalmente da Chesf é um tiro de misericórdia no Nordeste, mais precisamente na região do alto Sertão de Alagoas, Sergipe, Bahia e Pernambuco p porque esse pessoal não tem um compromisso social. A Chesf já tem uma dívida social muito grande com essa região. Usou, abusou, degradou o Rio São Francisco e de retorno não deu nada. Imagine a iniciativa privada vindo agora. Isso  é um desastre para nós. A riqueza da Chesf são as hidrelétricas e evidentemente das nove que existe, sete estão aqui na nossa região”, justificou o deputado.

CONTRAPONTO

Já para o ex-diretor da Companhia Energética de Alagoas, a antiga Ceal, e atual consultor da empresa Ges Consult, Geoberto Espírito Santo, não haverá nenhuma mudança com a privatização.

“O papel da empresa continua o mesmo. O que acontece é que vai deixar de ser uma gestão com os moldes da empresa privada em relação a o que é hoje. A gestão que em maioria dos casos é de indicação política, decisões políticas que fizeram com que o setor elétrico e a própria Eletrobras chegasse a essa situação, situação de ter uma dívida maior que o seu patrimônio”.

Segundo Geoberto, o medo que se criou em cima do nome privatização é mais um “mantra político” praticado por pessoas que vão deixar de ter determinados privilégios dentro da empresa.

“Aí começam com a história de que a privatização vai aumentar a tarifa. Não existe isso. Quer dizer, a tarifa de energia hoje é regulada por uma agência reguladora e a regra é a mesma. Tanto para empresa de capital estatal quanto privada. Não tem nenhuma diferença. Pode ter diferença? Pode. Se a gestão privada for mais eficiente você vai ter resultados melhores. Mas, para população não vejo nenhuma diferença”, analisa.

Questionado se com a privatização haveria mais desemprego, o consultor admitiu ser uma possibilidade.

“Isso certamente acontece porque nas empresas estatais todo mundo sabe que tem um número de funcionários bem maior do que deveria ter. Então, com certeza se passar para empresa privada vai ser enxugado o quadro para o extremamente necessário ao fornecimento de energia com qualidade dentro dos índices que são estabelecidos pela agência reguladora. É a agência reguladora quem define índice de duração, frequência e interrupções. Tem que cumprir aquilo se não leva multa”, ressalta Geoberto.

Geoberto, que já foi presidente da Algás, informou ainda que dentro da situação que chegou o sistema elétrico brasileiro, não vê outra saída a não ser a privatização da Eletrobras.

“A Eletrobrás tem ações na bolsa dos Estados Unidos que somados a suas dívidas, aparece um débito de R$ 64 bilhões. Então, se você não liquidar esses esqueletos é muito difícil que as pessoas queiram investir em ações nessas empresas ou mesmo adquirir ações”, finaliza.