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Justiça do Líbano devolve à mãe brasileira guarda de filha sequestrada

Por G1 04/11/2017 12h30
Justiça do Líbano devolve à mãe brasileira guarda de filha sequestrada
Reprodução - Foto: Assessoria

Após sete anos e dez mil quilômetros de distância, a Justiça do Líbano decidiu devolver a uma mãe brasileira a guarda da filha, sequestrada pelo pai libanês em São Paulo.

Gabriella Carvalho Boutros tinha 5  anos quando o empresário Pedro Boutros Boutros pegou a criança em São Paulo, em 12 de março de 2010, para passar o final de semana com ele. Dois dias depois, a menina deveria ter sido devolvida à estudante de administração Claudia Dias de Carvalho Boutros.

“Às 5 horas da tarde, eu arrumei, coloquei a roupinha que ela gostava, era uma tarde de verão. Coloquei a sandalinha que ela gostava, uma bolsinha... arrumei as coisas dela, e às 6 horas da tarde, do mesmo dia, o Pedro chegou pra pegar a Gabriella pra passar o final de semana com ele”, disse Claudia, de 39 anos.

“Eu a entreguei aqui na casa da minha mãe mesmo. Fui entregá-la pra ele, e... ela me deu um último beijo, né?! E eu dei um beijo nela. Falei: ‘filha, a mamãe te ama. Depois você já tá com a mamãe. Qualquer coisa liga pra mamãe’”, lembrou a mãe da garota.

Mas em vez de devolver a menina no horário combinado, o homem foi de carro até Foz do Iguaçu, no Paraná, entrou no Paraguai, pegou um avião até a Argentina. De lá, seguiu em um voo até a França, onde embarcou em outra aeronave até Beirute, capital libanesa.

A garota, atualmente com 13 anos, mora com o pai em Trípoli, onde aprendeu árabe e quase não fala português.

Separado de Claudia, Pedro não tinha autorização para deixar São Paulo com Gabriella à época. A Justiça de São Paulo permitia que ele visse a filha quinzenalmente. “Quando ele pegou a Gabriella, eu já senti meu coração muito apertado”, disse a mãe.

Sequestro

Como não concordava com a separação e as condições de visitação, o empresário decidiu sequestrar a menina e viver com ela no Líbano, país onde ele nasceu. Para atravessar a fronteira brasileira, teria até mesmo falsificado a identidade da filha.

“A primeira coisa que veio na minha cabeça é que tivesse havido uma tragédia na estrada. Só que foram se passando os dias, e nada. Sem ligação, sem informações, e eu pedindo a Deus, implorando pra dar uma luz, um caminho”, disse Claudia, que procurou a Polícia Civil para ajudar a encontrar a filha e o ex-marido.

O passaporte de Gabriela é uma das lembranças que ficou com a mãe, além de fotos e vídeos. O caso foi registrado no Brasil como subtração de incapaz. A Justiça em São Paulo determinou então que Pedro devolvesse a criança à Claudia.

Acionada, a Interpol (polícia internacional) descobriu para onde Gabriela foi levada e colocou as fotos do pai e da menina no site de procurados pela Parental Child Abduction (algo como rapto de filho por um dos pais, numa tradução livre do inglês para o português).

“E eu levei três meses pra saber que ela estava no Líbano. E ele levou três dias pra sair daqui do Brasil. E eu ficava indignada porque os documentos da Gabriella, passaporte da Gabriella, tudo tava comigo”, disse Claudia.

Ela também criticou o fato de Pedro não falar mais português com a menina, dificultando as vezes que tinha autorização dele para conversar com a filha pelo WhatsApp. “Por conta disso, ficou muito difícil nosso contato porque o pai dela não facilitou nenhum momento a nossa comunicação”.

Interpol

Se sair do Líbano, Pedro, atualmente com 49 anos, terá de ser preso para responder no Brasil por ter levado Gabriella sem autorização. A menina, por sua vez, teria de ser repatriada.

Mas essa medida da Interpol não vale enquanto pai e filha estiverem em território libanês. Como o país não é signatário da Convenção de Haia sobre sequestro internacional de crianças, Claudia teve de pedir à Corte de Trípoli a devolução da guarda da filha que o ex-marido tirou dela à força.

Nesse período, a mãe conseguiu ver Gabriella por três vezes, duas delas ‘autorizadas’ por Pedro sob a supervisão de uma pessoa da confiança dele. Em outra, sem o conhecimento do pai da menina, Claudia invadiu a escola católica onde a filha estuda e convenceu a madre a deixá-la dar um abraço.

“Fui pro Líbano no mesmo ano, que foi em dezembro, onde eu fiquei três meses. Que foi nesse primeiro encontro que eu vi a Gabriella, né?! Depois de quase 7 meses procurando”, disse a mãe. “O Pedro contestando tudo, alegando que a criança já estava familiarizada no país. Não sei de que forma ela foi registrada. Eu não sei porque eu não obtive informações, mas ela, ele acabou colocando ela pra estudar.”

De acordo com Claudia, como Pedro é católico, ele pode ser julgado pela Justiça do Líbano. Se fosse muçulmano, disse ela, quem o julgaria seria a religião islâmica.

Líbano

“A separação doía por saber que eu tava com ela por muito pouco tempo. Questão de 10, 15 minutos. Ela sabia que eu não ia estar ali mais que um dia", lembrou a mãe sobre Gabriella. "Doía por ela saber que estava limitada de conversar o que ela gostaria porque as nossas visitas era sempre assistidas. Por ela querer estar muito mais perto de mim e não poder.”

Em 2012, a Justiça brasileira concedeu a guarda definitiva de Gabriella à Claudia, segundo seus advogados. E no último dia 13 de outubro deste ano, a Corte de Trípoli reconheceu esse direito e decidiu tirar de Pedro a guarda da filha e devolvê-la a mãe.

“O juiz presidente do 'escritório executivo de Tripoli' decidiu pela execução da sentença favorável à senhora Boutros, relativa à guarda da menor Gabriella Carvalho Boutros”, informa trecho do documento da Embaixada Brasileira no Líbano encaminhada ao Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores no Brasil.

A informação acima havia sido transmitida às autoridades consulares brasileiras pelo advogado libanês Pierre Baaklini, que juntamente o advogado brasileiro José Beraldo, cuidam do caso de Claudia.

A decisão da Justiça libanesa em permitir que a mãe resgate a filha foi comemorada. Para isso, Claudia terá de viajar ao Líbano para receber a menina pessoalmente. Essa foi a condição da Corte.

“Minha história é um drama que virou um pesadelo, que hoje eu acredito que vá se tornar um fato verídico de felicidade”, disse a mãe. “Pra isso eu tenho que ir pro Líbano. Porque pela determinação, o juiz também não determinou que seja entregue no consulado para que o consulado entregue ao Brasil. Eles querem que a mãe se reporte ao Líbano pra ser entregue diante do juiz no Líbano.”

“A corte superior do Líbano concedeu a brasileira Claudia Dias de Carvalho Boutros o direito de repatriar sua filha”, disse José Beraldo. Segundo ele, é a primeira vez que o poder judiciário libanês devolve a guarda de um filho a uma mãe brasileira.

“No Brasil, a brasileira Claudia ganhou todos os direitos sobre a criança. Existe carta rogatória para trazer a criança de volta. Porém o Líbano não é signatário da convenção de Haia. Não cumpre decisão judicial do Brasil. Porém, ganhamos também no Líbano, na Corte Suprema do Líbano, em Trípoli, o direito da brasileira trazer sua criança de volta”.

O G1 não conseguiu localizar o advogado de Pedro para comentar o assunto. Segundo os advogados de Claudia, o ex-marido dela terá de cumprir a decisão judicial libanesa de entregar a menina à mãe ou poderá ser detido, mesmo no país dele.

Itamaraty

Procurado para se pronunciar sobre o trâmite da repatriação de Gabriella, o Itamaraty respondeu por meio de nota que acompanha o caso e presta assistência a Claudia e seus advogados. Leia abaixo a íntegra da nota encaminhada ao G1 pela assessoria de imprensa do órgão.

"O Itamaraty, por meio da Embaixada do Brasil em Beirute, vem acompanhando o caso da menor Gabriella Boutros desde o princípio e tem mantido permanente contato com a cidadã brasileira Claudia Boutros, prestando-lhe assistência, e com seu advogado. A Embaixada do Brasil tem acompanhado os atos judiciais referentes ao caso, e tem mantido constante interlocução com as autoridades libanesas responsáveis a respeito."

"Em respeito à privacidade da menor brasileira, não são fornecidas informações de cunho pessoal sobre a assistência a cidadãos no exterior", termina a nota do Itamaraty.

Questionada a respeito do que pretende dizer a filha quando reencontrá-la, Claudia respondeu que não irá falar nada. “É uma pergunta difícil. Porque, assim como eu, minha filha é muito sentimental. E em todos os nossos últimos encontros não tiveram palavras. Mas sim olhares e lágrimas que expressaram todos os nossos sentimentos.”

Mas para conseguir ir ao Líbano, Claudia terá de contar com a ajuda financeira dos amigos e parentes. “Nós vamos... é, fazer um apelo aos amigos, aos familiares, ver todas as condições porque o mínimo de passagem tá em torno de 6 a 7 mil [reais]”, disse. “Porque eu não tenho esse recurso financeiro pra fazer essa viagem”.

Indagada sobre qual recado gostaria de deixar a outras mulheres que passam pelo drama de ter um filho levado sem autorização pelo pai, Claudia é enfática. “Não desista. Tenha fé, tenha determinação, tenha foco, e principalmente, fé em Deus, que vocês vão conseguir”.

No Brasil, Claudia aguarda da decisão da Justiça brasileira sobre o pedido de R$ 2 milhões em indenização: metade contra o Estado - por deixar a criança sair do país sem passaporte e metade contra o ex-marido.