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Consciência negra: representatividade no esporte cresce, mas racismo ainda fere

Atletas relatam diminuição do preconceito racial nos últimos anos, mas dizem ainda sofrer discriminação; nenhum presidente de Confederação é negro

Por GloboEsprte.com 20/11/2017 11h24
Consciência negra: representatividade no esporte cresce, mas racismo ainda fere
Reprodução - Foto: Assessoria

As histórias são mais raras do que no passado, mas ainda machucam. Se a representatividade dos negros cresceu nas delegações olímpicas e paralímpicas do Brasil nos últimos anos, o racismo infelizmente não abandonou o cotidiano destes atletas. Seja no ambiente esportivo ou fora dele, de forma velada ou explícita, o preconceito ainda se faz presente.

Quando se observa as posições de poder do esporte nacional, o cenário ainda é discrepante. Nenhum dos 33 presidentes das Confederações Olímpicas Brasileiras é negro - Gerli Santos foi o mandatário da Confederação Brasileira de Esgrima (CBE) por quatro anos, mas não segue mais no cargo. Entre os principais dirigentes do Comitê Olímpico do Brasil, todos são brancos.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que mais da metade da população brasileira se declara negra ou parda no censo. Mas nem o COB nem o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) possuem um levantamento preciso sobre quantos eram os atletas negros a competirem na Rio 2016. Como esta declaração de etnia, pelos conceitos do IBGE, é pessoal e voluntária, não podemos precisar a expressão total da participação negra nas delegações nacionais.

No dia da Consciência Negra, feriado estabelecido na data que se atribui à morte de Zumbi dos Palmares, o GloboEsporte.com procurou atletas de diversas modalidades para relatarem os desafios que a cor da pele os fez enfrentar em algum momento de suas vidas.

O tema é tão delicado que muitos grandes nomes do esporte nacional, incluindo campeões olímpicos e mundiais, preferiram manter o silêncio e não se expor. Outros relembraram momentos dolorosos, que até hoje remoem na memória. Mas consideraram que falar e externar tais lembranças seria um ato importante na luta pela igualdade racial. Confira alguns destes depoimentos.

Evandro Gonçalves – campeão mundial de vôlei de praia

"Hoje morando na Zona Sul tenho um pouco de medo de andar em certos lugares. Eu ando de bermuda, de camiseta e chinelo, e vejo quando olham assim ou assado. Prefiro andar nos mesmos lugares para não me aborrecer com gente que não sabe da minha índole." "Uma vez fui ver um apartamento em Copacabana para morar e falaram que eu não teria condições de pagar. Depois a pessoa soube quem eu era e o que fazia e voltou atrás, mas eu tinha perdido o interesse. Tenho pena dessas pessoas." "No Circuito Mundial acho que sou o único negro. O mais difícil é jogar na Rússia. Nunca fizeram nada contra mim diretamente, mas você sente que faz um ponto, não aplaudem como com outros jogadores." Aline Silva - vice-campeã mundial de luta olímpica [caption id="attachment_12945" align="aligncenter" width="300"] Aline Silva (Foto: infoesporte)[/caption] "O maior problema no Brasil é que as pessoas não reconhecem que existe preconceito. São atitudes pequenas. No dia a dia eu sofro muito, o tempo todo." "Na época do judô eu sofria preconceito pelo meu cabelo, pelo meu quimono sempre mais sujo. Eu saí do judô em 2000, e um dos motivos foi o preconceito." "Minha mãe é assessora e procuradora. Tem gente que não acredita, mesmo com todos os documentos indicando isso. Muitas vezes duvidam dela pelo fato de ser negra." Ygor Coelho - campeão pan-americano de badminton [caption id="attachment_12944" align="aligncenter" width="300"] Ygor Coelho foi o primeiro brasileiro do badminton a disputar uma Olimpíada (Foto: Getty Images)[/caption] "Fui comprar um tíquete de comida no restaurante e uma senhora virou pra mim e disse: "Nossa, que susto! Achei que era um assalto". "Tenho muito orgulho de ser negro. Não tenho vergonha nenhuma da minha cor. Ela é linda, maravilhosa." Josi Santos - ex-ginasta e esquiadora [caption id="attachment_12943" align="aligncenter" width="300"] Josi Santos competiu na ginástica artística e no esqui aerials (Foto: Mauro Horita)[/caption] "Na ginástica sofri preconceito de dirigentes. Muitas vezes me tiraram de competições por causa da pele. Isso praticamente me fez desistir da seleção brasileira." "Eu devia ter lutado, ter aguentado um pouco mais. Minha história poderia ter sido diferente, mas Deus sabe o que a gente pode suportar." "Hoje, pós-Daiane (dos Santos), estão olhando para o atleta, não mais com pensamento racista. Hoje temos uma Rebeca Andrade muito boa e com espaço." Jefinho - tricampeão paralímpico de Futebol de 5 [caption id="attachment_12942" align="aligncenter" width="300"] Descrição da imagem: Jefinho faz o domínio em jogo contra o Irã (Foto: Daniel Zappe/MPIX/CPB)[/caption] "Uma pessoa que é deficiente e negra sofre o dobro. A gente sabe que, infelizmente, no Brasil, as chances não são as mesmas. Quando tem uma disputa de pessoas com as mesmas experiências, o fato de uma pessoa ser branca ou negra ainda faz diferença." "O racismo no geral é sutil. Às vezes é um olhar, uma virada de rosto, e pelo fato de ser deficiente visual eu não percebo esse tipo de coisa. Só quando é falado para perceber, mas assim é muito raro." João Gomes - vice-campeão mundial de natação [caption id="attachment_12940" align="aligncenter" width="300"] João Gomes Jr. foi prata nos 50m peito no Mundial de Budapeste (Foto: Satiro Sodré/SSPress/CBDA)[/caption] "Sempre aprendi que você, negro, vai ter que fazer o dobro, não importa o que as pessoas vão falar. Por ser negro tem que fazer duas vezes mais para mostrar serviço." "Já percebi várias vezes pessoas comentando, aquelas brincadeiras indiretas, que atingem um pouco." Bia Bulcão - esgrimista [caption id="attachment_12939" align="aligncenter" width="300"] Ana Beatriz Bulcão competiu na Rio 2016 (Foto: REUTERS)[/caption] "Tem gente que fala: "Nossa, achei que você jogava basquete". Porque as pessoas ainda estranham uma negra fazer esgrima." Rosane Reis - 5ª no levantamento de peso na Rio 2016 [caption id="attachment_12938" align="aligncenter" width="300"] Rosane Reis foi quinta colocada no levantamento de peso na Rio 2016 (Foto: Agência EFE)[/caption] "Fui a uma loja com meu namorado, que também é negro. Assim que entramos percebi que os seguranças estavam nos rodeando. Isso me irritou muito e saí da loja sem comprar nada." Paulo André - líder do ranking brasileiro dos 100m em 2017 [caption id="attachment_12937" align="aligncenter" width="300"] Paulo André Camilo é destaque da nova geração do atletismo (Foto: Ueliton Silva / TV Globo)[/caption] "Fui cortar o cabelo e estava na calçada. Uma mulher encostou o carro e, quando me viu, levantou o vidro correndo. Isso acontece às vezes, infelizmente." "No atletismo em si não tem preconceito porque os melhores do mundo são negros, e ninguém vai discriminar o melhor. Mas pode ser que, fora do esporte, até o Bolt já tenha passado por isso." Yamaguchi Falcão - medalhista olímpico do boxe [caption id="attachment_12936" align="aligncenter" width="300"] Yamaguchi Falcão foi bronze em Londres 2012 e agora é pugilista profissional (Foto: AFP)[/caption] "Vi minha mãe ser vista com olhares diferentes quando eu era criança. Desde então aprendi o que era racismo." "Espero que o preconceito acabe de uma vez por todas. Somos todos iguais. Não é cor que define caráter."