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Julgamento nos Estados Unidos expõe racha entre Del Nero e Marin

Apontados como 'gêmeos siameses' por delator, atual presidente da CBF e seu antecessor jogam culpa um no outro

17/11/2017 11h46
Julgamento nos Estados Unidos expõe racha entre Del Nero e Marin
Reprodução - Foto: Assessoria
O início do julgamento de José Maria Marin no "Caso Fifa" expõe também o enfrentamento entre ele e seu sucessor, Marco Polo Del Nero, atual presidente da CBF. Os dois são acusados dos mesmos sete crimes de corrupção, entre fraude, lavagem de dinheiro e organização criminosa, pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

A diferença é que Marin está sentado no banco dos réus no Tribunal Federal do Brooklyn, enquanto Del Nero está no Brasil, país que não extradita seus cidadãos. Assim, Marco Polo está fora do alcance das autoridades americanas. Ambos negam as acusações e afirmam ser inocentes. E um diz que a culpa é do outro.

A estratégia de defesa de Marin ficou clara no início da semana: mostrá-lo como um inocente – "uma criança chamada para completar um jogo de futebol, mas que realmente não participa", segundo as palavras de Charles Stillman, advogado que lidera sua defesa nos EUA.

Questionado pelo GloboEsporte.com sobre o motivo de ter citado Marco Polo Del Nero tantas vezes em sua apresentação aos jurados, Stillman respondeu: "Como eu não poderia citá-lo? São os fatos".

Del Nero não precisa se defender na Justiça. Mas tanto declarações de seus advogados quanto suas notas à imprensa também deixam claro que a ideia é responsabilizar seus antecessores, como por exemplo: "Os contratos sob suspeita não foram por ele assinados nem correspondem ao período de sua gestão na presidência da CBF".

José Marin assumiu a presidência da CBF em março de 2012, quando Ricardo Teixeira renunciou, acossado por denúncias de corrupção no Brasil e no exterior. Sua primeira providência foi nomear Marco Polo Del Nero vice-presidente e dividir o poder com ele.

Não só o poder, segundo o delator do "Caso Fifa" Alejandro Burzaco. Em depoimentos prestados no Tribunal do Brooklyn, o empresário argentino – réu confesso de vários crimes – disse que Marin e Del Nero eram como "gêmeos siameses" que herdaram e dividiam propina que antes era paga a Teixeira.

Os dois cartolas estavam juntos em Zurique no dia 27 de maio de 2015. Marin foi preso. Del Nero, contra quem não havia suspeitas ou denúncias na época, voltou para o Brasil e desde então não fez mais nenhuma viagem internacional.

Burzaco relatou várias reuniões em que discutiu o pagamento de propina a Del Nero e Marin. Na primeira delas, realizada em Buenos Aires em 2012, ficou acertado que eles dividiram US$ 600 mil anuais (R$1,95 milhão, na cotação atual), quantia que parou de ser paga a Teixeira quando ele deixou a CBF.

No fim daquele ano, sempre segundo Burzaco, um encontro em Assunção serviu para selar o aumento da propina para US$ 900 mil (R$ 2,95 milhões) anuais – ou seja, US$ 450 mil (R$ 1,475) para cada um. Houve ainda outro encontro para destinar à dupla outros US$ 2 milhões (R$ 9,5 milhões) "que originalmente deveriam ser coletados por Teixeira".

[caption id="" align="aligncenter" width="651"] Marin passou o bastão para Del Nero em abril de 2015 (Foto: Bruno Domingos / Mowa Press)[/caption]     Por fim, Burzaco contou que Marco Polo Del Nero o procurou, desta vez sozinho, no final de 2014, com o objetivo de aumentar o pedido. O então presidente eleito da CBF pediu para receber US$ 1,2 milhão (R$ 3,95 milhões) por ano, mas que só deveriam ser pagos depois de junho de 2015, quando ele já tivesse assumido a presidência da CBF, e assim "não precisaria mais dividir com Marin".

Em 17 abril de 2015, Del Nero sucedeu Marin no comando do futebol brasileiro e o escalou como vice-presidente. Os dois discursaram naquela manhã na nova sede da entidade, na Barra da Tijuca, no Rio. Marin começou:

– E é assim que hoje me despeço da Presidência da CBF, transmitindo-a ao meu irmão e estimadíssimo amigo Marco Polo Del Nero, que sempre demonstrou capacidade administrativa e conhecimento suficientes para conduzir a CBF.

Del Nero completou:

– Quero iniciar falando do presidente José Maria Marin, um companheiro constante, um amigo fraterno, um conselheiro inteligente, um homem que, em pouco mais de três anos de gestão, construiu uma nova Confederação Brasileira de Futebol [...]. É difícil dizer qual é o legado mais importante da gestão do presidente Marin.