Esportes

Racismo ultrapassa estádios, toma a internet e ataca até em e-sports

Relatório do Observatório da Discriminação Racial aponta 25 episódios ocorridos ao longo do ano passado; a maioria partiu de torcedores contra atletas

Por GloboEsporte.com 30/07/2017 13h31
Racismo ultrapassa estádios, toma a internet e ataca até em e-sports
Reprodução - Foto: Assessoria

Gabriel Jesus, árbitro de várzea, a goleira da seleção brasileira, um jogador de e-sports. O interior do Rio Grande do Sul, a Suécia, o Uruguai, São Paulo. O racismo no esporte é uma praga que se espalha, não se restringe ao futebol e não se deixa limitar por fronteiras geográficas.

O terceiro relatório anual elaborado pelo Observatório da Discriminação Racial do Futebol (em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul) revela que em 2016 houve pelo menos 25 relatos de racismo – 18 deles em estádios brasileiros.

O cenário não é inédito: o levantamento é feito desde 2014, e episódios de preconceito são recorrentes. O novo relatório (que será divulgado na íntegra nos próximos dias) mostra que a discriminação é realidade também em outras modalidades.

Entre as vítimas há astros do esporte – como o atacante Gabriel Jesus, que foi ofendido em um jogo contra o Nacional do Uruguai pela Copa Libertadores – e gente desconhecida do grande público, como o árbitro Rafael Araújo, ofendido num jogo da Série A3 do Campeonato Paulista.

Também foram registradas acusações em esportes como futsal e basquete. E sobretudo no futebol – partindo quase sempre de torcedores para atletas. Dos 18 episódios tornados públicos em estádios brasileiros no ano passado, 11 tiveram integrantes de torcidas como acusados. Três partiram de jogadores.

Torcedores também foram agentes de ataques virtuais. Em 2016, houve registro de seis casos de ofensas raciais pela internet. As vítimas foram jogadores. Nem os e-sports estão livres de manifestações racistas. Em fevereiro do ano passado, Franklin “Aoshi”, jogador de League of Legends, recebeu ofensas racistas, via internet, em confronto entre as equipes CNB e KaBum no CBLoL. Seu time foi a público condenar os gestos

– Acho que é comum [haver casos de racismo] até por ser algo baseado na internet, lá qualquer um tem acesso, e as pessoas têm certo senso de impunidade por estarem "anônimas". Mas é algo que nunca vi acontecer em eventos físicos de e-sport – contou Franklin "Aoshi" Coutinho, jogador de LoL.

O documento do Obsertavório leva em conta casos que se tornaram públicos – mesmo que não tenham sido julgados. A maioria dos episódios não tem prosseguimento. O agressor do árbitro Rafael Araújo foi identificado, pagou um salário mínimo da época (R$ 880) e então liberado.

No ano passado, o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) puniu apenas dois casos – o Atlético-PR em R$ 20 mil por injúria racial de um torcedor contra Tchê Tchê, do Palmeiras, e o Atlético Tubarão em R$ 5 mil por ofensas (também de um torcedor) a Jeff Silva, do Hercílio Luz.

E os números em 2017 já superam os de 2016, conforme mostrou o Esporte Espetacular em reportagem neste domingo. 

Comparativo

Somados relatos de ataques racistas no estádio e na internet, houve diminuição no número de 2015 para 2016 – caiu de 35 para 25. Em 2014, o relatório registrou 20 casos. Aquele também foi o ano em que o STJD mais julgou casos: sete. Em 2015, apenas um episódio foi a julgamento.

No ano passado, a maioria dos episódios aconteceu em estádios paulistas – cinco dos 18 registrados. É uma mudança em relação aos anos anteriores, quando houve mais registros no Rio Grande do Sul – incluídos aí dois episódios emblemáticos: as punições a Grêmio e Esportivo pelas ofensas ao goleiro Aranha e ao árbitro Márcio Chagas da Silva, respectivamente.

Fora do Brasil

O relatório também apresenta casos de racismo direcionado a atletas brasileiros no exterior. Gabriel Jesus, quando ainda defendia o Palmeiras, foi alvo de um torcedor do Nacional do Uruguai; cânticos racistas foram direcionados a Neymar na Espanha; Caio (do Kashima Antlers) foi agredido com expressões racistas pela internet no Japão; Anderson Talisca, do Besiktas, da Turquia, foi chamado de macaco por torcedores do Benfica, de Portugal, seu clube anterior; na Suécia, uma árbitra paralisou partida que envolvia a brasileira Marta por perceber manifestações racistas da torcida.

No exterior, manifestações preconceituosas também ultrapassaram os muros do futebol. BomBom, goleiro brasileiro da equipe espanhola de handebol BM Granollers, foi alvo de cânticos racistas de torcedores do Puente Genil. Meses depois ele se transferiu para um time da Noruega.